
Inventamos dias para não contarmos as horas,
Semanas ante o peso dos dias.
Os anos a esconder esse tempo
Que se esgota assim que inicia.
TEXTOS ORIGINAIS E PUBLICADOS NOS LIVROS DO AUTOR
Designed with WordPress

Inventamos dias para não contarmos as horas,
Semanas ante o peso dos dias.
Os anos a esconder esse tempo
Que se esgota assim que inicia.

Deus está morto, graças a Deus,
Não por blasfêmia, mas por amor.
Amor ao homem e amor à vida
Que em amarras do clero fora ferida.
Na verdade, nem Deus poderia morrer,
Nem mesmo o filósofo desvaneceria,
Já que as mentes em si são diversas,
Provendo nas crenças e nas poesias
Todo caminho que o espírito anseie…
Não importa a verdade, a razão ou a fé.

Angústia que me atormenta
Das incertezas da vida,
Da falta de tempo que tenho
Para cumprir a minha sina,
Dos amores que deixei soltos
Pelas tarefas não findas,
Dos lugares que não vi
Pelas necessidades cumpridas,
Dos saberes que perdi
Em todas as leituras não lidas,
Dos planos que deixei soltos
Por atos da vida corrida,
Nos sonhos que não cumpri
Por deixá-los sem guarida,
Da vida que não vivi
Nesta morte já sentida.

Eu não estou aqui,
Mas nos primeiros lumes da madrugada
O sabiá saberá seu canto.
A neblina cobrirá algumas manhãs
Até deixar o sol vencer sua força
E eu não estou aqui.
Eu não estou aqui,
Mas a corruíra dará seus passos apressados,
Entoará sua cantiga no dia claro.
Pessoas passarão pela rua apressadas,
Outras com a calma de um passeio
E eu não estou aqui.
Flores cobrirão arbustos,
Frutas amadurecerão nos galhos
E eu não estou aqui.
Eu não estarei aqui
Quando ninguém mais se lembrar
Ou não houver nem mais quem me esqueça.

A ideia do BRICS teve origem em estudos econômicos, ainda como BRIC, apenas como uma referência a países em desenvolvimento, em estudos de economistas como Jim O’Neill do Banco Goldman Sachs para tratar de países em desenvolvimento. Esses países, ao entenderem uma certa relação entre suas situações econômicas, passaram a reunir-se para compartilhar experiências de desenvolvimento. Em 2022, quando a terceira cúpula do grupo aconteceu na África do Sul, foi que esta passou a integrar o grupo formando o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – em inglês). Não se trata de nenhum bloco econômico ou comercial, apenas abrangia aqueles que eram considerados os cinco principais países em desenvolvimento. Esses países eram populosos e com economias importantes no contesto mundial. Em 2024, graças principalmente à China e a Índia, o PIB (GDP em inglês) do BRICS chegou a 25% do total da economia em todo o planeta.

PPP significa poder “Paridade de Poder de Compra” (Purchase Parity Power) em dólares.

História e Projeção do PIB em trilhões de dólares segundo estudo da Goldman Sachs.
Entretanto, os crescimentos desses países do BRICS têm sido, há muito tempo, muito distintos. A China já é a segunda maior economia de mundo e logo deve se tornar a primeira.
Veja estudo publicado pelo FMI em abril de 2023 “Comparação da participação sobre o PIB-Mundial entre dois núcleos dinâmicos do bloco de 1992 a 2021 (em %)”:

Enquanto China e Índia avançam com economias a nível dos Estados Unidos, os demais países em desenvolvimento comportaram-se como países estagnados, perdendo importância no cenário mundial.
Assim, sem sombra de dúvida, há algo que devemos aprender com a China como proponho como título dessa crônica.
A quem quiser entender com detalhes a história da economia chinesa recomendo a leitura do livro de Roberto Dumas Damas, “Economia Chinesa – Transformações, rumos e necessidade de rebalanceamento do modelo econômico da China” publicado em, 2014 e reeditado em 2019. Este livro abstém-se de avaliar modelos ideológicos e coloca sua ênfase nos aspectos lógicos das necessidades, erros e acertos das decisões econômicas implementadas no gigante asiático. E é a principal base de pesquisa para esse texto.
A China foi, durante séculos, a maior e mais rica economia do mundo. Era um império hegemônico e fechado apesar da crescente importância das exportações de chá, porcelana e seda extremamente valorizados na Europa. Com um forte mercado interno e exportações crescentes da China, os países europeus, principalmente a Inglaterra, começaram a tentar encontrar mecanismos de balancear esse comércio que estava levando muita riqueza, na foram de prata, para o gigante asiático. Frente ao desinteresse dos chineses, a Inglaterra passou a exportar a única coisa que o povo chinês consumia com um crescimento exponencial, o ópio. A venda do ópio, produzido pelo Inglaterra na Índia, iniciou um grave problema social na China. A venda do ópio era ilegal na China e os ingleses eram o que são hoje os grandes cartéis de droga. O imperador Daoguang (1820-1850) confiscou e destruiu o consumo anual da droga que estava estocada no porto de Cantão. Essa ação do Império Chinês provocou uma declaração de guerra por parte do império britânico que venceu de forma absoluta em 1842, com rendição incondicional dos chineses. Foi nessa época que Hong Kong passou ao domínio inglês (tratado de Nanquim) e devolvido à China, segundo tratado, em 1997.
Entre meados do século dezenove até o início do século vinte vários conflitos fortaleciam o Império Chinês como uma reação patriota. Exemplos foram a guerra sino-japonesa e a invasão da Manchúria pelos japoneses.
Entretanto, em 1911, o Império Chines caiu com a Revolução Nacionalista que constituiu a República da China sob o comando do fundador do partido Nacionalista Sun Yat-Sem, herói da revolução, sucedido por Chiang Kai-Shek.
As contínuas invasões japonesas desgastaram, igualmente, o regime Nacionalista. Até 1920 os comunistas eram aliados dos nacionalistas contra a invasão japonesa, mas a partir daí começaram a perceber a insatisfação do povo com os aspectos econômicos que advinham da luta contra os japoneses. Assim, encontraram sua oportunidade.
Em 1934, já estava claro para os Nacionalistas que, mais que inimigo externo, a oposição comunista se tornava seu maior pesadelo. Já em 1931 o Partido Comunista Chinês recém-formado tinha Mao Tsé-Tung como líder.
Mesmo com o apoio dos Estados Unidos depois do ataque japonês a Perl Harbor e a segunda guerra mundial, o Partido Nacionalista não conseguiu conter as graves dificuldades econômicas da China, propiciando a oportunidade a Mao de aplicar um golpe e fundar a República Popular da China.
A economia da China já havia perdido sua importância no cenário mundial. Em 1800, ainda sob a Dinastia Qing, a China detinha um PIB que era 32% do PIB mundial. A situação semicolonial que passou a ter por vários tratados desiguais e a perda das duas guerras do ópio levaram a China a reduzir sua participação no PIB mundial para apenas 5% e, com a gigantesca população, tornou-se um dos países mais pobres do mundo, com uma inflação totalmente descontrolada. Essa foi a grande oportunidade para a vitória do Partido Comunista.
Fatores internos também contribuíram para o golpe. A economia chinesa, essencialmente agrária, era lastrada numa agronomia familiar em pequenas propriedades. Não havia forma de crescer a não ser tentarem utilizar novas áreas menos produtivas. Os campos inundáveis naturalmente foram escasseando e o país entrou num ciclo vicioso.
Mao saiu vitorioso no embate com os Nacionalista que se isolaram na pequena parte insular da China, na época Taipé. Até hoje, Taiwan se mantém separado da grande China continental e é considerado um país desenvolvido que está entre as 30 maiores economias do mundo.
Em 1949, Mao criou a República Popular da China com uma economia central unificada baseada na teoria de Karl Marx.
Mas os problemas da economia chinesa não foram facilmente resolvidos apenas pelo pensamento marxista. Marx explicava muito bem como a sociedade chegava à revolução, mas não era muito eficiente em estabelecer como promover o desenvolvimento numa economia tão pouco eficiente como era a da China.
Ao perceber a ineficácia na solução dos problemas econômicos práticos, o PCC (Partido Comunista Chinês) se viu perante três alternativas: (1) Seguia o modelo capitalista do Reino Unido ou Estados Unidos; (2) Seguia uma adaptação gradualista da propriedade privada ao sistema Comunista para conquistar o desenvolvimento tecnológico ou (3) Seguia o modelo de Stalin de coletivização rápida para tentar alcançar o ganho de escala que geraria a necessária produtividade.
Naquele momento era impossível cogitar em aplicar um sistema capitalista no pós-revolução comunista. Segundo Marx, uma condição necessária ao desenvolvimento era o desenvolvimento tecnológico antes da completa comunização. E como era claro que aplicar o sistema stalinista de imediato não seria viável na China, a opção foi pelo sistema de mudança paulatina que Lenin imaginou para o sistema de comunas, mantendo as propriedades privadas até que se alcançasse um maior desenvolvimento. Assim, a ideologia comunista cedeu um pouco em prol da lógica econômica.
Ficou assim até 1955, quando o Partido Comunista, ainda com Mao no comando, decidiu abandonar a estratégia gradualista e partir para o Socialismo de forma total. Incentivos à propriedade privada foram derrubados e foram estabelecidos coletivos que se aglomeraram para formarem as comunas. Chamaram essa mudança de rumo de “O Grande Salto”.
Ao mesmo tempo, houve um forte investimento no setor industrial que movimentou, sob controle do estado, uma migração limitada, mas importante, da população do campo para as cidades.
As comunas deviam ser autossuficientes e, aos poucos, os serviços sociais foram deixados a cargo delas, enquanto continuavam sob o controle estatal nas cidades. Logo ficou claro que os benefícios da população urbana eram muito superiores aos da população rural. O objetivo do setor rural era produzir alimento barato para o setor urbano industrial, considerado o a vanguarda do socialismo.
Para manter o produtor rural no campo foi necessário endurecer através do abandono do sistema gradual . Com o endurecimento do controle da população rural o campo perdeu sua capacidade de evoluir. O crescimento agrícola que estava a 1,7% caiu para 0,2% nos anos que se seguiram a essa nova estratégia.
Mortes por inanição nas províncias rurais chegavam a 4% e 6% da população em várias regiões e a fome era endêmica. Estima-se que cerca de 30 milhões de pessoas morreram de fome devido ao processo de industrialização da China comunista. Nesse período, a China sofreu uma forma fatal de má distribuição de renda.
Mas, apesar dessa dificuldade e desse custo inimaginável, houve progresso importante na era maoísta. Os fins chegariam, apesar dos meios. Entre 1952 e 1978 (Maddison, 2007,p.59) o PIB per capta subiu 82% e a produtividade do trabalho subiu 52%. Claro impacto do crescimento urbano controlado pelo Partido Comunista.
Também segundo Maddison, a China, que teve um crescimento do PIB negativo entre 1913 e 1952, teve um crescimento anual do PIB de 2,3% entre 1952 e 1978.
Com a morte de Mao em 1976 surge um novo líder com novas ideias sobre comunismo e socialismo. Esse novo líder da China nunca foi um líder formal, mas foi um líder indiscutível depois da morte de Mao em 1976. Liderou a China de 1978 a 1989. Esse líder foi fundamental para completar “O Grande Salto” que havia sido iniciado por Mao e que é responsável a levar a China ao patamar que está hoje.
Deng Xiaoping, sem desmerecer Mao e suas conquistas, trouxe uma nova visão mais avançada sobre como continuar o desenvolvimento da China. Pensava que não tinha nada de errado para um país de decisão centralizada considerar as força de mercado e adaptar-se a ela. Percebeu que a China podia e devia abrir-se ao mercado e que poderia fazer isto com sucesso.
Um pensamento basilar de Deng é o seguinte:
“A diferença entre capitalismo e socialismo não é que a economia de mercado se oponha à economia planificada… Você não pode pensar que, se nós tivermos uma economia de mercado, nós estaríamos perseguindo uma trajetória capitalista… Tanto uma economia de planejamento central quanto uma economia de mercado são necessárias. Se nós não tivermos uma economia de mercado, nós teremos de nos acomodar e ficar para trás.” (Xiaoping, 1944c)
Xiaoping acreditava que o maior erro na implementação inicial do socialismo, etapa primeira e necessária ao comunismo, foi ignorar a supra importância do desenvolvimento das forças produtivas, gerando uma abundância de bens materiais, conforme a teoria de Marx.
“Uma das nossas deficiências após a fundação da RPC foi que nós não prestamos atenção o suficiente às forças de produção do país. Socialismo significa eliminação da pobreza. Pobreza não é socialismo, muito menos comunismo.” (Xiaoping, 1994ª)
Por outro lado, Xiaoping acreditava que algo que ele chamava de “Ditadura Democrática” era essencial para manter a unidade do país. “Democracia só pode ser desenvolvida gradualmente.” (Xiaoping, 1994c)
Baseado nessas convicções, Xiaoping iniciou uma gradual reforma, incentivando a meritocracia e mecanismos de incentivos fundamentais para impulsionar a produção. Isso também se aplicou numa gradativa abertura ao exterior permitindo que as forças de mercado atuassem na melhoria da produção na China. As comunas e os coletivos que fracassaram no sentido de melhorar a produtividade passaram a sistemas de responsabilidade familiar, agora com a diferença fundamental de permitir a produção e venda, a preços de mercado, dos excedentes estabelecidos pelo partido. Isto criou um incentivo fundamental para o incremento da produtividade.
Entre as grandes inovações desse novo sistema socialista chines foram a introdução da meritocracia, do incentivo à produtividade e aquisição de parâmetros de competitividade em função da abertura de mercado. Todos esses mecanismos que fazem parte fundamental de um capitalismo eficiente foram introduzidos por Xiaoping. A diferença foi manter o controle total de um governo central e manter o foco socialista.
O mercado interno teve ainda um maior impacto no desenvolvimento da China sob o comando de Xiaoping que passou a permitir a entrada de capital e tecnologia estrangeiros no país. Um fator, talvez ainda de maior importância, foi a criação formação de empresas de aglomerados chamadas de “Township Village Enterprises” (TV Es) que atuaram no desenvolvimento da produção agrícola através da industrialização rural. Nessas “TV Es” surgiu uma nova classe de empreendedores chineses que contava com o incentivo e apoio do Partido.
A política econômica de Xiaoping deu resultado tanto no campo quanto na indústria. Em doze anos, de 1980 a 1982 a produção de grãos teve um aumento de 30%. A participação de bens vendidos a preços de mercado passou de absolutamente nada em 1978, para 13% em 1983 e 46% em 1991. (OECD, 2005, 9.9)
Entre os períodos 1952-1978 e 1978-2003 o crescimento médio anual do PIB Chinês passou de 4,39% para 7,85%, enquanto o crescimento anual médio do PIB per capta passou de 2,33% para 6,57%. (Maddison, 2007, p.68)
O Grande Salto da Economia Chinesa era materializado.
O desenvolvimento Chinês não ocorreu sem alguns sérios sobressaltos. Havia muito dinheiro e muito controle na tomada de decisão. Surgiu o inevitável aumento da corrupção para a comercialização de produção fora do sistema controlado com preços mais baixos. Com o mercado aberto, outra figura que antes era camuflada com o racionamento, também apareceu. Desbalanços entre oferta agregada e demanda começaram a criar inflação visível ao povo.
Um incidente chamou a atenção e indignou a opinião mundial depois que estudantes chineses iniciaram um protesto que se chamou “Interlúdio da Praça da Paz Celestial”. A mão pesada e implacável do governo central culminou no estabelecimento de lei marcial e no massacre de muitos estudantes em 4 de junho desse ano. Esses eventos e o descontrole da economia deu oportunidade a membros do Partido Comunista que discordavam das reformas de Xioaoping tomarem o poder em 1989.
A política de abertura de mercado, incentivo ao aumento da produtividade, o apoio ao surgimento da nova classe de empreendedores, a meritocracia e os superávits comerciais poiadas por políticas de câmbio e financeiras possíveis com os grandes superávits comerciais foram fundamentais para criar um círculo virtuoso que catapultou o crescimento da China por décadas. Os ajustes para privilegiar a zona urbana e as empresas estatais em detrimento da rural, de incentivar o capitalismo empreendedor das TV ES permitiram um modelo de desenvolvimento chins que passava, cada vez mais, a se basear na exportação e no investimento advindos dos significativos superávits comerciais. A importância da produção rural diminuiu. De 82% sobre o total da produção chinesa em 1979 passou para 49% em 2010. O legado de Xiaoping foi o maior para a existência da China atual.
O foco no desenvolvimento, mudanças de rumo fundamentais, governo centralizado e líderes lúcidos. Abertura econômica, meritocracia, empreendedorismo, competitividade e respeito às leis de mercado, superávits fiscais e investimento são os aspectos a serem observados e aprendidos com a China.
A forma de implementar esse desenvolvimento com uma ditadura das mais cruéis e selvagens, o uso e abuso do trabalhador, principalmente do trabalhador rural, a total falta de liberdade, chegando ao controle de migração, são os aspectos negros a serem evitados.


Seu canto vem como um estalo ecoado nas encostas.
O Xanxão, se abre o bico,
Deve ser por que precisa
Avisar quem está longe
E conhece sua canção.
Garganta tão pequenina
Esconde um pulmão bem potente.
Ondas gigantes se agitam,
Por léguas o ouvirão.
Bem discreto na aparência
É recluso aos olhares.
Só sua voz ele ostenta,
Só o canto ele apresenta,
Ele é só sua canção.

Amanheceu de mansinho
Como em alguns dias amanhece.
O horizonte, em modorra, avançou bem devagar.
O sol estava com sono
De dormir mal a noite toda,
Que tomou muita cachaça como o avô do Juvenal.
Quando o dia vem desse jeito,
A natureza espreguiça,
O vento sopra do Norte, bole bem devagar.
Vem como o bafo cansado
Do boi que rumina no pasto,
Longe das árvores, da fresca,
Sem poder se sombrear.
Vento quente, vento quente
Atravessa meus cabelos,
Faz cócegas no meu pescoço…
Me faz lembrar da Aninha,
Onde, hoje, ela estará?

Criei deuses,
Inventei mitos.
Não preciso de nada.
Orações,
Devoções,
Adoração
Dispenso.
Sou o início, o fim,
O tempo e atemporalidade.
Sou as leis,
O universo e os universos.
Sou você
E até seus sonhos.
Sou inatingível.
Minha castidade infinita,
Minhas vestes são eternas.
Sou o poeta,
O bêbado,
A criança.
Sou o leão e a gazela.
Sou o que parece e o outro.
Eu apenas sou.

Entrou por nossa porta
Sem sequer se anunciar.
Sentou-se a nossa mesa
Disposta a se saciar.
Não trocou uma palavra,
Nem se propôs a ouvir.
Estava disposta a ficar,
Nada a podia impedir.
O pior é que a acolhemos,
Sem cogitar lhe pedir
Para apressar a visita.
Seria pior ao partir.
Dizem dela tantas coisas,
Algumas para amenizar
Os limites que impõem,
Cargas a suportar.
Chamam-lhe sabedoria,
Ápice da maturidade,
Dentre tantos eufemismos
Que definem mais idade.
A velhice é uma intrusa,
Que mesmo em seu vagar,
Nos surpreende ao percebermos
Que chegou e irá ficar.

O filme “Silence of the lambs”, que rendeu Oscar a Anthony Hopkins e Jodie Foster, evoca uma lenda de que as ovelhas seriam animais ingênuos e gentis que não se rebelam ao serem levadas ao sacrifício.
Esse comportamento das ovelhas está longe de ser preciso. Ovelhas são animais com alto grau de inteligência social. Tem uma memória importante, sendo capazes de reconhecer feições humanas por longos períodos e lembrar-se dos membros do rebanho mesmo anos depois de separados. Possuem uma visão periférica quase total, chegando aos 300o, que lhes permite tanto detectar a presença de predadores como auxilia na forma gregária de viver. Suas memórias, também, lhes permitem aprender com erros e mudar o comportamento para evitá-los.
Pastores podem ser mais inteligentes que as ovelhas ao usarem os recursos delas em seu proveito, escondendo seus verdadeiros propósitos. Entretanto, um pastor negligente corre o risco de que o rebanho possa, por fim, enxergá-los como realmente o são, predadores que atacam de forma sorrateira enquanto se portam como seus protetores.
Para serem eficientes, é verdade, mostram sua proteção quando outro predador tenta roubar suas vítimas e tornam-se grandes inimigos dos lobos oportunistas. Mas o cordeiro grelhado não escapa à gula do cuidador.
A maioria dos governos das sociedades humanas comportam-se como esses pastores, escondendo seus verdadeiros propósitos de forma mais ou menos eficiente.
Há pastores grosseiros, que atuam como lobos. São os ditadores de carteirinha. Temos vários atuando no mundo moderno. O Assad da Síria que acabou de ser deposto, Hussein no Iraque que foi traído por seus mentores, Jong-um na República Popular da Coreia, Maduro na Venezuela, Salman na Arábia Saudita, vários governos militares na América do Sul e no mundo, entre muitos outros. Esses governos, que se mantém pela força e pelo medo, usam tortura explícita como ferramenta até que o povo não aguente mais e se rebele. Em algum momento de fraqueza esses pastores grosseiros são massacrados pelas ovelhas.
Existe, porém, um tipo mais sutil de torturadores. É uma tortura que talvez não seja o instrumento direto de poder, mas, infelizmente, é ainda mais devastadora que a tortura óbvia. O objetivo é o mesmo, a manutenção do poder e a garantia do churrasco de costela. Resolvi chamar essa tortura de “Tortura Democrática”. Imagino que, como qualquer tortura, irá, em algum momento, ser tão terrível que provocará a revolta do rebanho e a destruição dos algozes.
Não há como evitar que a sede de poder e as regalias provindas não afetem o rebanho. Embora pareça um silogismo manco, o fato deste objetivo primordial não ser o bem estar do rebanho, mas o do poder, o resultado mais provável é a tortura democrática do rebanho, principalmente quando a grama escasseia.
Esse é o caso do atual governo do Brasil, terceiro mandato do presidente preso pela justiça de Curitiba, ratificado pela justiça e até pelo STF e finalmente solto por filigranas processuais num conjunto de poderosos que uniu todos os pavores dos corruptos e corruptores. Todas as denominações políticas, desde a mais extrema e revolucionária esquerda à mais conservadora e retrógrada direita, todos os poderes, todos os poderosos se uniram para manter a atual democrática atuação em prol do status-quo do uso e abuso do pastoreio.
O atual governo insiste, na cartilha do partido dos trabalhadores e do próprio presidente da república, em uma irresponsável e negligente gerência da economia do país. O objetivo míope que vê apenas até a próxima eleição, faz com que o rebanho esgote o último lote de grama verde, agigantando o deserto da dívida do país.
O rebanho permanecerá fiel enquanto houver alguma grama. Mas a desertificação inevitável cobrará o preço. A democrática tortura será crônica. Assim como o sapo colocado na panela de água fria, o rebanho irá se acostumando com a pobreza, com o pasto escasso. Assim tem sido na Venezuela até pouco tempo atras. O deserto da dívida pública será tão grande que não haverá mais como plantar ou para onde levar o rebanho. A diferença entre o churrasco de costelas nas mesas dos donos do poder e o pasto das ovelhas magras comendo os últimos tufos de capim do deserto será evidente. Culparão a Deus, ao efeito estufa, ao raio que o parta até que será evidente, até à mais dócil das ovelhas, aquilo que se passou e que se passa.
Nesse momento será a oportunidade para qualquer salvador da pátria, qualquer bode teimoso iniciar a revolta do rebanho. O “silence of the lambs” será transformado num “roar of the lambs”. A mágica transformará as ovelhas em leões ou hienas furiosas que comerão todos os pastores e quem mais estiver por perto.
Mas será tarde. A tortura democrática continuará, pois sem pasto não existem ovelhas e sem ovelhas, gazelas ou zebras não haverá nenhum leão que sobreviva.

Deixe um comentário