
Devo estar louco
De pensar há pouco
No que pensei um pouco.
TEXTOS ORIGINAIS E PUBLICADOS NOS LIVROS DO AUTOR
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Devo estar louco
De pensar há pouco
No que pensei um pouco.

Ser o diabo não é tão fácil,
Nem sempre ele foi o ruim,
Criado pelo Deus poderoso,
Melhor que não fosse assim?
Em luz ele foi forjado,
Em glória ele buscou o saber,
Queria entender a história
E o futuro compreender.
Professor do primeiro dos homens
No fruto ofertava o poder
Da ciência que lhe fora negada.
Seria melhor não saber?
A curiosidade foi nata
Ao homem que lançou seu olhar
Nos segredos do universo…
Suas leis a decifrar!
A tentativa sempre falha,
Conhecer não é possível,
Um novo curso se apresenta
A cada passo da jornada.
É Satanás – em seu dilema –
Decidir a quem servir:
Se a Deus, em sua glória
Ou ao homem, que quer lhe ouvir.

Antes de ser poeta há que ser humano.
Antes de ser humano há que ter vida.
Há de ser pó e água,
Substância, átomos, elétrons.
Há de girar spins e spins.
Há de ser e não ser, estar e não estar,
Abastecer-se da incerteza da existência,
Viver da probabilidade, das leis, do rigor.
Antes de ser poeta há que ser cosmos.
Há ter existido num ponto infinitesimal,
Junto de tudo e de todos,
Na caldeira cósmica atemporal.
Antes de ser poeta há de ter sido poesia pura
De Deus, deuses ou do acaso.

Prometeu-me eternidade na condição exigida,
Deveria ter só fé no caminho só de ida,
Manter os olhos fechados e a mente adormecida,
Sem desvios dessa toada, sem questões ou recaídas.
Parecia até bem simples a demanda recebida!
Recompensas bens felizes foram todas prometidas.
Bastava o torpor na viagem e a mente ressequida,
Bastava o fruto deixar na árvore da morte e da vida.
Então veio a serpente despertar – na consciência –
O desejo de entender as questões dessa existência.
O porquê de estar ali, entender toda ciência
Que afinal fora plantada como fato ou evidência.
Escolher entre o saber ou a sorte prometida,
Namorar com a verdade ou estar de bem com a vida.
Aceitar com ignorância as promessas tão queridas
Ou queimar no fogo eterno da ciência pretendida.
Minha escolha, então, foi feita, por vontade ou por amor.
O engano foi lançado, só não sei o seu autor.

Perdi meu poema na rotina da vida,
Se encontrar não devolva, sou já causa perdida.
Percorri o caminho que o passo escolhia,
Emoção se perdendo, apenas seguia.
Sem destino ou razão, motivo ou temor,
Sem chegada ou partida,
Só um barco sem leme.
Vou seguindo adiante no compasso do acaso.
Encerrei a procura.
Já estou de saída.

Talvez não seja impossível
Flutuar entre séculos
Nas malhas do espaço-tempo,
Por atalhos inesperados.
Estar lá o corpo presente,
Não somente a consciência.
Exercício não abstrato,
Portal em dobra de espaço.
Ciência, não ficção.
A experiência, no entanto,
Traria curiosas derivas.
Possibilidade macabra
De livrar-me dos ancestrais
Antes da consumação
Da minha própria genealogia.
Livre de antecedentes,
Reconstruiria a mim mesmo.
Ser absoluto, sem lastro,
Raça nova, sem berço ou culpa
De pecados originais.
Livre de Deus e do arbítrio,
Dessa humana descendência,
Sem perdões ou penitências…
Poderia evaporar…
Enfim.

A velha Maria Fumaça
Mais uma vez se prepara
Desde a ravina profunda
Que o vento cioso formara,
Para subir a montanha
Como tantas vezes ousara.
Por caminhos estreitos
Talhados no precipício,
Passaria por pontes e túneis
Sem medir seu sacrifício,
Seguindo em sua toada
A rotina do exercício,
Servida com água e hulha
Do foguista em seu ofício.
A pressão que dá o vapor
Era sua energia.
Produzida do calor,
Como há muito assim fazia
A caldeira enferrujada,
Mas ainda em serventia.
Seguiria qual serpente,
Carregando coisa e gente
Precisados lá em cima.
As cidades do planalto
Esperavam, lá no alto,
Que cumprisse sua rotina.
Já cansada, mas ativa,
Ia fazer nova viagem.
Mas sabia lá no fundo
Que as mudanças deste mundo
Iam cobrar sua passagem.
E seria posta ao lado
Como sonho ultrapassado,
Num terreno descoberto,
Para que enferrujasse
E do tempo esfacelasse
Em cemitério a céu aberto.
Mesmo que a sinuosa estrada
Fosse por fim abandonada,
Pois o mundo mais moderno
Sempre traça novos rumos,
Esperava que a montanha
Se lembrasse dos seus fumos.
E assim seguiu em frente,
Rumo ao alto e ao poente
No ritmo de sua braçagem.
Com foguista em seu posto
E o maquinista disposto,
Com o apito, abriu passagem.

Às quatro partia em ponto
Para varar a madrugada,
Rumo a oeste e ao horizonte,
Seguindo a férrea estrada.
Todo mês se deparava
Com o esplendor da lua cheia
E a segui-la se esforçava.
Mas a lua, sempre alheia,
No poente se esgueirava.
Onde o céu encontra a terra
A lua então se escondia
E sumia atrás da serra,
Quando a manhã já nascia.
Foi assim por muito tempo
Enquanto o mundo mudava,
Até que Maria, em lamento,
A longa jornada encerrava.
Num terreno descoberto,
Onde o céu a espreitava,
Foi deixada para o tempo
Pois seu tempo se esgotara.
Para sua grande surpresa,
Quando mais nada esperava,
Percebeu, então, que a lua
A cada mês retornava
Para prestar-lhe visita
Desde que a noite surgia
Até que o amanhã a apagava.

Os caminhos percorridos não revelam onde estou.
Apenas que sigo.
Não sei o destino ou de onde parti.
Esqueci os segredos que o passado esconde
Das possibilidades por vir.
A ineficiência do tempo confunde,
Misturam passado, futuro e aqui.
Lampejos de fatos brincam em minha mente.
Sem escolhas, já não sei a razão de sentir
Tão tênue verdade que se perde em si mesma…
Não revela se existe ou só tenta existir.
É meu corpo um fato ou apenas pretende,
O que penso existe ou apenas me engano,
É a morte começo, acidente ou um fim…
Os caminhos que sigo ignora a razão,
As escolhas que faço são apenas acasos,
Essa vida que finge não garante a existência,
Nem a morte que temo me fará compreender.
Só a angústia é real, só a dor é o que importa
No caminho que sigo, o caminho que sou.

Ter a ciência de si,
Por mais estranho que seja,
Constrói nesse ato singelo
Tudo que é ou seria.
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