WAGNER RODRIGUES POETA E CRONISTA

TEXTOS ORIGINAIS E PUBLICADOS NOS LIVROS DO AUTOR

CONVERSANDO SOBRE AVALIAÇÃO ECONÔMICA – PARTE I

PARTE I – CAIXA E TEMPO COMANDANDO O VALOR

(livro inédito em capítulos do blog)

PREFÁCIO – OBJETIVO DO LIVRO

Avaliação Econômica e Maximização de Resultados

Meu objetivo deste livro é desenvolver uma conversa sobre Avaliação Econômica e apresentar a sua base matemática como a ferramenta neste processo.  

Procurei abordar as várias técnicas e fundamentos necessários com o suficiente da análise dos fundamentos tentando manter o foco na visão geral. Procurei caminhar desviando das pedras e buracos do caminho sem perder de vista a paisagem. Espero chegar ao destino.

Primordialmente tentei manter uma abordagem prática. Quando julguei necessário acrescentei fundamentos técnicos. Abordei assuntos que são tratados em outros livros, a maioria deles não escritos na nossa língua. Sempre que possível tentei tratá-los de forma inédita, principalmente quando acreditei que isto pudesse facilitar o entendimento dos conceitos. Também tentei analisar alguns conceitos que, ao longo da minha carreira e do meu estudo, me incomodaram por ter de comê-los como pratos prontos. Espero que apreciem minha abordagem.

Tentei utilizar minha experiência como executivo e como líder no assunto de uma das grandes multinacionais do setor químico e petroquímico. Procurei valer-me do aprendizado com os desafios que enfrentei; com os executivos e líderes que ajudei a formar; com os parceiros com os quais negociei e com a grande variedade de negócios que tive a oportunidade de conhecer e aperfeiçoar.

PARTE I – CAIXA E TEMPO COMANDANDO O VALOR

(e mais um fator, o risco)

Caixa e valor do dinheiro ao longo do tempo

Nos meados dos 90 fui convocado a depor em Nova York, numa arbitragem entre a Dow e uma empresa caribenha. A arbitragem foi movida pela empresa caribenha contra a Dow, porque a americana havia abandonado unilateralmente um projeto que estava sendo estudado no país dos reclamantes. Eu era avaliador econômico do projeto e chegara à conclusão de que, devido a uma série de fatores, alguns estruturais, o mesmo não seria viável do ponto de vista econômico, mesmo em condições relativamente otimistas. Como muito pouco investimento tivesse sido realizado até o momento, recomendei sua interrupção. Meu empregador acatou minha recomendação e, não tendo a imediata adesão do sócio, o fez unilateralmente. Dessa divergência instalou-se a arbitragem prevista nos contratos.

Arbitragem, no caso, é uma forma inteligente e rápida para resolver disputas. Cada empresa escolhe um árbitro de sua confiança. Esses dois árbitros – em comum acordo e sem a interferência das empresas em litígio – escolhem um árbitro neutro. Esses três árbitros dão o veredicto que não pode ser contestado. Essas pessoas não são juízes ou advogados, mas pessoas reconhecidamente idôneas e capacitadas. No caso do árbitro neutro, foi escolhido um executivo sênior que era membro externo do Conselho de Diretores (Board of Directors) de pelo menos duas grandes empresas multinacionais.   Por motivos que entenderão, deixo de mencionar quais.

O argumento da Dow, durante todo o processo de arbitragem, foi mostrar que em boa fé e em condições realistas havia pouca ou nenhuma chance do projeto vir a ser economicamente viável. Foram vários dias de uma verdadeira batalha de informações, análises e lógica. Cada empresa contou com o aconselhamento de grandes e eficientes escritórios de advocacia especializados, peritos economistas, empresas de estatísticas em análise de mercados e preços e, principalmente, com documentos e depoimentos de funcionários que, por terem participado do projeto, eram arguidos por advogados que representavam os dois lados da disputa.

O objetivo de cada lado, no final das contas, acabou sendo o de tentar convencer os árbitros, mas principalmente o árbitro neutro dos seus pontos de vista.

Foi nesse processo e durante o meu depoimento ao responder questões dos advogados dos dois lados, mas tentando mostrar ao árbitro neutro o motivo da minha recomendação, que me surpreendi com o seguinte comentário dele (minha tradução): “Nas suas planilhas você estima lucro em quase todos os anos! Eu participo do Conselho de várias empresas e quando me apresentam projetos lucrativos, eu os aprovo! Porque você está recomendando o contrário?”.    

Como não havia discutido tal situação com nossos advogados tive que decidir de imediato que tipo de resposta deveria dar.  A próxima pessoa a ser questionada na arbitragem seria o CFO da Dow, na época, um membro executivo do Conselho de Diretores da Dow. Assim resolvi somente tocar a bola e deixar o assunto em aberto. Respondi o seguinte: “Entendo o que você diz. Entretanto preciso lhe informar que este não é o processo que usamos para tomar decisão no Conselho Executivo da Dow. A próxima pessoa a depor é um membro deste Conselho. Você pode fazer esta pergunta diretamente a ele e confirmar minha resposta”.   

Ao terminar esta minha participação, comuniquei o ocorrido ao CFO da Dow de que este assunto viria à tona. Sugeri que ele pensasse em uma resposta  didática, devido à falha conceitual do árbitro. Tínhamos que fazê-lo entender que nossa recomendação havia sido correta apesar da sua limitada compreensão do assunto.  

Em primeiro lugar eu havia tratado o projeto do ponto de vista operacional, sem inclusão de empréstimos, juros ou amortizações. Tratei o projeto para todos os investidores de capital, acionistas e financiadores. Este fato já havia sido claramente exposto aos árbitros. Mas mesmo que tivesse feito o projeto do ponto de vista do acionista, minha posição seria a mesma.

A partir desse ponto toda nossa atuação na arbitragem mudou de estratégia. Enquanto nossos ‘adversários’ tentavam capitalizar na falha conceitual daquele árbitro, nós passamos a “dar aulas” de fundamentos de finanças, junto às respostas ás perguntas que respondíamos. Como, no final da arbitragem, tivemos uma decisão justa, acho que aquele árbitro saiu de lá mais sábio para suas participações em Conselhos futuros.

Quis, com este relato curioso, enfatizar que, eventualmente, executivos experientes de áreas não financeiras têm deficiências técnicas. Não basta haver lucro para definir uma empresa saudável. Em outras palavras, não é o lucro contábil que define o valor da empresa. Uma empresa lucrativa pode, na verdade, até reduzir o potencial de acumular riqueza de seus donos. Um dos motivos para isto é que, na contabilização do lucro, existem elementos que não representam entrada ou saída monetária, como, por exemplo, a depreciação, mas também existem elementos que não aparecem na apuração contábil do lucro, mas que podem significar grandes necessidades monetárias. Exemplo dessas necessidades são os recursos necessários para a formação ou aumento de estoques, os recursos congelados em função dos prazos de pagamento oferecidos aos clientes, os ativos fixos como terrenos, fábricas, escritórios, entre outros. Esses elementos não alteram diretamente ou imediatamente o lucro da empresa, mas provocam imediata necessidade de recursos. Além disso, quanto mais capitalizada (com recursos dos acionistas) a empresa for, menor a relação entre o lucro e a valorização da mesma, já que o custo ou alternativa que teriam seus acionistas não aparece como custo da empresa. Portanto não é o lucro que define o valor da empresa.

O valor da empresa também não é o valor gasto para comprar ou construir suas fábricas e outros dos seus ativos. Depois de instalados, esses valores estão enterrados, quase perdidos, até por que, se forem vendidos como ativos, talvez gerem de volta uma pequena parcela do que se gastou com eles. É possível que uma fábrica que custou uma grande soma, ao ser fechada e ter seus ativos vendidos, proporcione como valor de recuperação apenas uma mínima fração do valor gasto em sua instalação. É possível que apenas seja vendida como “ferro velho” ou, pior ainda, que gere uma necessidade de saída de recursos pelas exigências dos órgãos reguladores: como limpeza do terreno, reparações ambientais e necessidades fiscais e trabalhistas envolvidas no processo de descontinuidade do negócio.

O que define de fato o valor da empresa é sua capacidade de gerar caixa líquido ao longo de sua vida futura.Ou seja, sua capacidade de gerar uma quantidade de recursos disponíveis aos donos ou acionistas depois de pagar dívidas, juros e impostos e reinvestir na necessária manutenção para manter sua continuidade. Eventualmente esse caixa líquido pode ficar retido na empresa devido falta de base para a sua distribuição (lucro acumulado negativo), mas, mesmo assim gera valor, uma vez que proporciona recursos para modernização, reparos e crescimento na própria empresa, sem necessidade de novas injeções de caixa. É verdade que empresas em rápido crescimento possam gerar caixa negativo por alguns anos e ter muito valor pelo imenso caixa que se espera gerar mais à frente, mas o conceito de valor como função do caixa líquido gerado não muda.

Um outro aspecto é que a simples maximização da geração de caixa não é o bastante na definição de valor da empresa. O momento quando esse caixa é gerado é outro fator determinante na definição de valor da empresa, pois, até pela finitude da vida, queremos que essa quantidade de recursos seja obtida o mais cedo possível.  

Dessa forma, gerar $10,000 de caixa hoje pode gerar mais valor à empresa que gerar mais que este caixa daqui a vários anos.

Por fim, o último elemento na definição do valor da empresa é a alternativa  “ajustada ao risco” de taxas de aplicação disponíveis no mercado (trataremos disto adiante) aos donos do negócio. Por exemplo, com um risco provavelmente muito mais baixo, os donos do negócio poderiam aplicar os mesmos recursos em letras do tesouro nacional ou o equivalente em outros países. Essa alternativa, ajustada ao risco do negócio é a chamada taxa de oportunidade. Temos um capítulo para tratar especificamente desse assunto.

Alternativa tem um papel muito importante em Avaliação Econômica, para além de definição da taxa de desconto. Para avaliadores que comecei a treinar costumava dizer que Avaliação Econômica é a arte de entender as alternativas. Afinal, dificilmente fazer alguma coisa tem como alternativa não fazer nada. Quase sempre fazer alguma coisa significa deixar de fazer outra.

Assim o valor da empresa não é dado pelo valor que nela foi investido ou por sua capacidade de produzir lucro contábil.  O valor da empresa é definido pelo valor presente descontado à taxa de oportunidade ajustada ao risco do caixa líquido que a empresa irá gerar de hoje em diante.

Diz-se que uma empresa criará valor se este valor presente for superior ao valor investido nela trazido para a mesma data através do custo de oportunidade do investidor.  Entretanto o investimento somente será importante no momento que se pode decidir ou não em investir. Investimento já feito não participa da definição de valor da empresa. Quando se avalia uma empresa para comprá-la, quase tudo o que já foi investido nela não é importante, já que pouco ou nada disto pode ser recuperado. O foco deve estar no valor presente da sua capacidade de gerar caixa no futuro.

Decidir entre alternativas excludentes é avaliar qual delas produz o melhor fluxo de caixa, ajustado ao risco. Ajustado ao risco é fundamental não apenas à taxa de desconto. Quando falamos de futuro e incertezas, uma alternativa um pouco melhor, mas que traz como consequência uma tragédia caso algo dê errado, não é uma boa alternativa.

Quando falamos em investir num projeto, devemos fazê-lo quando o valor presente do caixa líquido que o projeto irá gerar, descontado à taxa de oportunidade dos investidores, ajustada ao risco, superar o valor presente dos investimentos à mesma taxa de desconto.

No capítulo que segue apresento algumas dessas variáveis básicas da determinação de valor da empresa: “caixa”, “tempo” e “taxa de oportunidade ou de desconto”, as variáveis básicas da matemática financeira.

De risco, falo um pouco mais adiante.

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