
Éramos todos batizados, crismados e fotografados na primeira comunhão. Católicos certificados, mas não praticantes. De qualquer forma esses anjos, santos, boas e más almas eram todos espíritos que, de vez em quando, ‘desciam’ em algum médium nas sessões espíritas que ocorriam na casa da minha avó.
A visita da tia Antonieta ocasionava sempre uma dessas reuniões religiosas. Tia Antonieta era de fato minha tia-avó por parte de mãe. Essa irmã de minha avó morava em Valinhos e tinha fama de poderosa benzedeira na região. O próprio vigário da igreja, vez ou outra, a procurava para alguma ajuda contra indisposição, dor de cabeça e outros males físicos ou do espírito. Hoje sou agnóstico, mas naquele tempo não era. Queria ser meio milagreiro como a tia Antonieta, já que santo eu não era.
Tia Antonieta fora abandonada pelo marido e, sozinha, criou suas filhas. Entre as histórias que me contavam uma delas era que algumas vezes a família pobre dessa senhora percebia que não havia comida para a próxima refeição. Confiante, tia Antonieta dizia a suas filhas que não se preocupassem. Ajoelhava-se, pedia com fervor e dali a pouco chegava alguém para benzer contra quebranto ou mal olhado, trazendo alguma comida como agradecimento.
Pessoalmente nunca conferi nenhum milagre, caso contrário talvez até tivesse chegado a outras conclusões existenciais. Mas as histórias lhe davam fama. Para mim sua conversa, ou melhor, a conversa do seu guia Bezerra de Menezes era sempre a mesma: elogios a todos, alguma admoestação à minha avó pedindo paciência com o sofrimento que uma doença crônica lhe impunha, para em seguida lhe dar esperança de alguma melhora que nunca ocorria. De certa forma, Bezerra de Meneses, ícone do espiritismo no Brasil, passara a ter a mesma onipresença atribuída ao próprio criador, dada a quantidade de médiuns que o recebiam como guia.
O tempo e algum conhecimento de ciência e uso da lógica passaram paulatinamente a substituir minha fé. Como conciliar a fé sem prova com a prova da fé? Teria Deus criado o homem à sua imagem e semelhança ou teria sido o contrário. A Sua busca e não a falta desta levou-me a conversar com Deus assim:
Talvez nem te ocupes de existir…
Me abandonas desesperançado,
Procurando e procurando…
Até que eu mesmo me junte a ti.
Quanto à tia Antonieta, concluí que era uma verdadeira santa. Num final de semana fomos todos visitá-la em Valinhos. Fomos minha avó, minha mãe, uma das minhas tias, minha irmã e eu. Chegamos na hora do almoço e eu estava morto de fome. Tia Antonieta havia preparado um gigantesco risoto à moda caipira. Era muito bem temperado e com um delicioso molho de tomates. Era algo que ficava entre um risoto e um arroz de forno, com queijo ralado, só que feito em duas enormes panelas de alumínio.
Devorei contados cinco pratos bem servidos até satisfazer-me. Comia e elogiava, como que para me desculpar de tanta gulodice.
Se a velha senhora de Valinhos teria sido uma santa benzedeira eu nunca pude realmente comprovar. Mas que tia Antonieta era uma santa cozinheira, disto não tenho a menor dúvida!
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