
A família da minha mãe, com meus avós como primeira geração brasileira de imigrantes italianos, era nitidamente matriarcal. Vó Maria, uma senhora baixinha e quase cega, sobrevivente de cirurgias complicadas quando as grandes cirurgias frequentemente eram fatais, era sem dúvida o centro da família. Com meu calado avô, teve dois filhos e quatro filhas. Tanto meus tios quanto meu avô pouco opinavam sobre qualquer assunto. Na realidade, nem eram incluídos nas conversas, planos ou projetos da família. Qualquer assunto era para discussões entre a mãe e as quatro irmãs. O papel deles era nada além de trazer o salário para o sustento e outras necessidades das famílias modestas. A esposa de um dos tios foi incluída, com certa ressalva, ao matriarcado.
Minha avó era uma grande contadora de histórias. Era espírita, dizia ter visões e reclamava das mãos dormentes, com pouca sensibilidade. Preferia sentar-se na velha poltrona do seu quarto, na penumbra, já que muita luz a incomodava. Entretanto, era uma pessoa muito interessante. Éramos vizinhos desde meus cinco ou seis anos, quando ela vendeu sua casa e foi morar com meus tios sem filhos. Eu passava horas ao lado dela, algumas vezes acompanhado da minha prima, ouvindo suas histórias da vida no interior.
Minha mãe tinha uma casa asséptica, com poucas plantas. Não gostava de bagunça. A casa da minha tia era o local onde eu podia exercitar minha criatividade. Havia um galinheiro, onde podia ajudar a colher os ovos. Ocasionalmente, ajudava a destroncar o pescoço de algum frango. Minha avó, à medida que perdeu a força, inventou um método de matar os galináceos. Utilizava o cabo de uma vassoura sobre o pescoço da ave que era puxada pelos pés, até esticar. Aos sete anos eu a ajudava na empreitada. Algumas vezes terminei com o frango decapitado, debatendo-se no quintal. Cena horrorosa, mas não para aqueles dias.
Limpar o frango era uma enorme diversão. Era tarefa da minha tia, mas assistida pelos três sobrinhos. Minha irmã, minha prima e eu ficávamos ajoelhados em cadeiras junto à pia. Atentamente, víamos primeiro o banho de água fervente para facilitar a depena. O processo era finalizado sobre as chamas do fogão, para queimar as últimas penugens.
O frango depenado era colocado com as costas na pia. Uma incisão transversal no abdômen da ave dava acesso às vísceras. Todo o cuidado era pouco para não romper a bolsa de fel (creio que seria a vesícula biliar da ave) que era descartada com as tripas e o papo. Recuperava-se o coração, o fígado e a moela (que minha tia chamava de “magão”). A moela precisava ser limpa com um processo que consistia em se tirar uma membrana interna, que revestia esse órgão responsável por triturar os alimentos. Restos de milho moído saíam com essa membrana. Esses miúdos eram separados para uma deliciosa farofa.
Destrinchar o frango limpo era uma tarefa de etapas precisas. A cabeça era desprezada, mas não o pescoço. Os pés eram bem lavados e as pontas dos dedos com as unhas eram descartadas. Em instantes o frango era transformado em duas coxas, duas sobrecoxas, pescoço, pés, coxas de asas, asas, e o peito, que era dividido em cinco pedaços, sendo o rabicho gorduroso um deles. Todo o espetáculo de cerca de meia hora era atenciosamente presenciado pelos três primos.
A casa da vó Maria era também a casa da tia Nita. Era lá onde podia fazer pocinhos no quintal, encher de água, fazer manivela, puxar água, fazer barro. Era onde se aprendiam coisas e se exercitava a criatividade.
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