
Na década de 50, para as famílias italianas como a minha, a gravidez era cercada de metáforas. Fulana está em estado interessante, cicrana está “esperando a cegonha” e até algumas mais estranhas como “fulana está puxando vagão”, como dizia minha tia com seu jeito meio maroto de dizer as coisas. Nem quero imaginar o porquê da expressão!
A criançada acreditava em cegonha tempos depois de desacreditar em papai Noel. Lá pelos meus seis a sete anos, estava claro para mim que todas as mães que esperavam a cegonha tinham enormes barrigas. Assim, achava que o bebê devia estar lá dentro. Sabia que o bebê, eventualmente, sairia de lá de algum modo. De forma alguma viria pendurado em bico de cegonha. Afinal, cegonha era ave somente dos livros, imaginava. Por ali só havia alguns gaviões e urubus grandes o bastante para a empreitada. Não fazia a menor ideia de como o bebê tinha entrado nas barrigas, mas já achava que os maridos tinham algo a ver com aquilo. Talvez fosse alguma coisa que ocorria durante o beijo, ponderava. Mas esse tipo de coisa não se discutia com a criançada.
Com tempo e com os cachorros da vizinhança o enigma foi resolvido. Muito antes, porém, havia uma vizinha que estava por dar a luz. Minha família e as de outros dois tios eram vizinhas. Frequentemente minha irmã mais nova e eu, brincávamos com uma prima da minha idade. Para desespero das duas meninas, ao brincarmos de programas de auditório, eu me anunciava com a música “A Deusa do Asfalto”, gravada por Nelson Gonçalves. Eu cantava, a plenos pulmões, a primeira e segunda partes da música perante a angustiante impaciência das meninas. Num desses dias, no intervalo das músicas, minha prima comentou que sua mãe havia dito que a cegonha iria trazer o bebê da vizinha.
Sem qualquer malícia emendei dizendo que largasse mão de ser boba, claro que o bebê estava na barriga da moça, não via como estava gorda?
Minha prima reagiu mal, mas deve ter pensado que o que eu havia dito fazia algum sentido. À noite contou à sua mãe. No dia seguinte as mulheres do clã me interrogaram se, de fato, tinha dito tal coisa. Confirmei e esperei a reação que não veio. Acho que perante o óbvio das minhas considerações ficaram sem argumentos.
Naquele mesmo dia, a cegonha da família voou para outras paragens.
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