WAGNER RODRIGUES POETA E CRONISTA

TEXTOS ORIGINAIS E PUBLICADOS NOS LIVROS DO AUTOR

Thriller da Vila Anastácio (Crônica de Memórias de um paulistano)

Domingo à tarde meu primo e eu seguíamos a pé do Piqueri à Avenida Raimundo Pereira de Magalhães. Esta rua era o início da Estrada Velha de Campinas, só que na outra margem do Rio Tiete, na Vila Anastácio. Eu tinha uns treze anos e meu primo dois anos mais.

Subíamos a Pedro Cubas, atravessávamos a favela do Buraco Quente e descíamos para a várzea do Rio Tietê até a ponte da Estrada de Ferro que cruzava o rio.

Para o pedestre, a ponte ferroviária era o caminho mais curto para alcançar os campos de futebol da Vila Anastácio, como o campo do Vaticano, mais próximo ao quartel e o campo do Nacional. Esses campos ficavam ao lado da oficina de trens.

Atravessar a ponte ferroviária era a adrenalina dos anos 60. Outro primo, quando pequeno, atravessara com o pai quando um trem passou. Tiveram que refugiar-se  nos “salva vidas”, pequenas cestas que deixavam de um lado as enormes e ruidosas rodas de ferro do trem em movimento e do outro as águas correntes do rio Tietê. O menino ficou mudo por mais de um mês. Já na puberdade tive esta experiência e, confesso, foi apavorante.

O campo do Nacional ficava em um grande parque repleto de eucaliptos, um lugar bem agradável para um passeio. Ao chegarmos, nos debruçamos nas grades brancas de madeira para assistir a uma partida que acontecia. Era um dia muito agradável, ensolarado e a sombra dos eucaliptos dava uma sensação de muita tranquilidade.

Inesperadamente, talvez por um lance mais ríspido, alguns jogadores começaram uma briga. O tumulto foi aumentando e a torcida começou a se envolver. Em segundos tudo se transformou  em  uma cena de guerra: voadoras, pauladas, fratura exposta, gritos de raiva e de dor. Ficamos apavorados, éramos estranhos, sem amigos de quaisquer dos lados.

A briga veio em nossa direção e, apavorado, eu queria correr. Meu primo, um pouco mais experiente, sugeriu que saíssemos devagar, passeando, como quem não quisesse nada. Ao atingirmos a avenida, saímos em disparada e só paramos do outro lado do rio.

Aquele supostamente calmo passeio de domingo transformou-se num apavorante thriller da Vila Anastácio.   

Deixe um comentário

Posted on

Deixe um comentário