WAGNER RODRIGUES POETA E CRONISTA

TEXTOS ORIGINAIS E PUBLICADOS NOS LIVROS DO AUTOR

Paulão, advogado, professor, grande figura! (Crônica de Memórias de um paulistano)

Na década de 60, professor Paulo era um gordo e inteligente advogado criminalista. O intrigante é que era também um estranho professor de artes do Jácomo Stávale, na Freguesia do Ó.

Professor Paulão ou simplesmente Paulão, como o chamávamos carinhosamente, tinha estatura mediana e devia pesar uns 120 quilos. Surpreendeu-nos, entretanto, quando atuando como goleiro de futebol de salão num jogo entre pais e mestres, foi o responsável pela vitória dos professores. Entre outras, fez uma defesa de extrema habilidade, segurando com as mãos nas costas uma bola alta que deixou passar sobre sua cabeça. Acho que foi mais espetacular que a defesa escorpião do famoso El Loco Higuita, da seleção colombiana.

Numa das primeiras aulas, impressionou os alunos com uma de suas atuações com o advogado. Se real ou imaginária, própria ou “emprestada”, eu nunca tive certeza.

Tratava-se de um crime horrendo no qual um açougueiro matara um jovem a facadas, em frente ao açougue. Suposta ou realmente, Paulo teria sido o advogado desse açougueiro.

Contou-nos que o promotor usou toda sua habilidade e emoção dos jurados e demais presentes ao julgamento. Com frequência, mostrava o avental do açougueiro banhado de sangue, com o que conseguia interjeições de horror dos presentes. Fez isto durante toda a acusação.

Passada a palavra ao Dr. Paulo, ele aguardou vários minutos como que procurando alguma linha de raciocínio, para só então iniciar:

“Prezadíssimos jurados! Competentíssimo colega promotor, que tão bem apresentou seu argumento! Vossa Excelência, honradíssimo e meritíssimo Juiz…” E parou de falar, pensativo durante vários minutos. Então reiniciou.

“Respeitabilíssimos jurados! Honorável promotor de clareza e oração exemplares!  Excelentíssimo Juiz que sempre julgou com sabedoria e eloquência!” Interrompeu novamente por vários minutos. Reiniciou as mesmas tratativas por pelo mais cinco vezes, com os mesmos intervalos.

Terminada a sétima introdução, o Juiz perdeu completamente a paciência e reprimiu veementemente o professor Paulão, com a voz totalmente alterada, quase aos gritos:

 “Ora, o que é que o advogado está pensando! Acha que estamos aqui para perder tempo! Pois devia ter se preparado para apresentar seu argumento ou calar a boca de uma vez!”

Satisfeito com a reação, Paulo retrucou:

“Pois Vossa Excelência há de entender! Passei eu aqui pouco mais de meia hora a elogiar repetidamente o nobre juiz, um homem culto e preparado. E Vossa Excelência perdeu a paciência com minhas repetições!”

“Imagine esse açougueiro, homem rude e iletrado, ouvindo dia após dia, por meses a fio, a vítima a aviltá-lo, dizendo que sua mulher era uma vadia! Que dormia com qualquer um!”

“Por dias e dias o pobre açougueiro ficou calado, fazendo seu trabalho.”

“Mas depois de tantas e repetidas difamações, o homem simples perdeu a paciência e, perante forte emoção, usou o que tinha nas mãos para calar seu agressor!”

Segundo o professor Paulo, comprovados os fatos, o açougueiro teria sido inocentado.

Professor de artes, Paulão surpreendeu-nos na sua primeira aula, quando, para espanto dos alunos, pediu que escrevêssemos uma redação sobre um tema sugerido. Leu-as todas durante a aula e, num determinado momento, chamou-me e pediu que me levantasse. Em seguida rasgou-se em elogios, dizendo que eu escrevia bem e que escrever era extremamente importante para a vida.

Nunca fui muito caprichoso para trabalhos manuais. Até que tinha talento para desenhar, mas, como ao excelentíssimo juiz,  faltava-me a paciência necessária ao artesão. Assim, creio, foi minha redação, no primeiro dia de aula que garantiu ótimas notas de artes durante todo o curso!

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