WAGNER RODRIGUES POETA E CRONISTA

TEXTOS ORIGINAIS E PUBLICADOS NOS LIVROS DO AUTOR

Luz e Escuridão na China (Artigo novo)

A ideia do BRICS teve origem em estudos econômicos, ainda como BRIC, apenas como uma referência a países em desenvolvimento, em estudos de economistas como Jim O’Neill do Banco Goldman Sachs para tratar de países em desenvolvimento. Esses países, ao entenderem uma certa relação entre suas situações econômicas, passaram a reunir-se para compartilhar experiências de desenvolvimento. Em 2022, quando a terceira cúpula do grupo aconteceu na África do Sul, foi que esta passou a integrar o grupo formando o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – em inglês). Não se trata de nenhum bloco econômico ou comercial, apenas abrangia aqueles que eram considerados os cinco principais países em desenvolvimento. Esses países eram populosos e com economias importantes no contesto mundial. Em 2024, graças principalmente à China e a Índia, o PIB (GDP em inglês) do BRICS chegou a 25% do total da economia em todo o planeta.

PPP significa poder “Paridade de Poder de Compra” (Purchase Parity Power) em dólares.

História e Projeção do PIB em trilhões de dólares segundo estudo da Goldman Sachs.

Entretanto, os crescimentos desses países do BRICS têm sido, há muito tempo, muito distintos. A China já é a segunda maior economia de mundo e logo deve se tornar a primeira.

Veja estudo publicado pelo FMI em abril de 2023 “Comparação da participação sobre o PIB-Mundial entre dois núcleos dinâmicos do bloco de 1992 a 2021 (em %)”:

Enquanto China e Índia avançam com economias a nível dos Estados Unidos, os demais países em desenvolvimento comportaram-se como países estagnados, perdendo importância no cenário mundial.

Assim, sem sombra de dúvida, há algo que devemos aprender com a China como proponho como título dessa crônica.

A quem quiser entender com detalhes a história da economia chinesa recomendo a leitura do livro de Roberto Dumas Damas, “Economia Chinesa – Transformações, rumos e necessidade de rebalanceamento do modelo econômico da China” publicado em, 2014 e reeditado em 2019. Este livro abstém-se de avaliar modelos ideológicos e coloca sua ênfase nos aspectos lógicos das necessidades, erros e acertos das decisões econômicas implementadas no gigante asiático. E é a principal base de pesquisa para esse texto.

A China foi, durante séculos, a maior e mais rica economia do mundo. Era um império hegemônico e fechado apesar da crescente importância das exportações de chá, porcelana e seda extremamente valorizados na Europa. Com um forte mercado interno e exportações crescentes da China, os países europeus, principalmente a Inglaterra, começaram a tentar encontrar mecanismos de balancear esse comércio que estava levando muita riqueza, na foram de prata, para o gigante asiático. Frente ao desinteresse dos chineses, a Inglaterra passou a exportar a única coisa que o povo chinês consumia com um crescimento exponencial, o ópio. A venda do ópio, produzido pelo Inglaterra na Índia, iniciou um grave problema social na China. A venda do ópio era ilegal na China e os ingleses eram o que são hoje os grandes cartéis de droga. O imperador Daoguang (1820-1850) confiscou e destruiu o consumo anual da droga que estava estocada no porto de Cantão. Essa ação do Império Chinês provocou uma declaração de guerra por parte do império britânico que venceu de forma absoluta em 1842, com rendição incondicional dos chineses. Foi nessa época que Hong Kong passou ao domínio inglês (tratado de Nanquim) e devolvido à China, segundo tratado, em 1997.

Entre meados do século dezenove até o início do século vinte vários conflitos fortaleciam o Império Chinês como uma reação patriota. Exemplos foram a guerra sino-japonesa e a invasão da Manchúria pelos japoneses.

Entretanto, em 1911, o Império Chines caiu com a Revolução Nacionalista que constituiu a República da China sob o comando do fundador do partido Nacionalista Sun Yat-Sem, herói da revolução, sucedido por Chiang Kai-Shek.  

As contínuas invasões japonesas desgastaram, igualmente, o regime Nacionalista. Até 1920 os comunistas eram aliados dos nacionalistas contra a invasão japonesa, mas a partir daí começaram a perceber a insatisfação do povo com os aspectos econômicos que advinham da luta contra os japoneses. Assim, encontraram sua oportunidade.

Em 1934, já estava claro para os Nacionalistas que, mais que inimigo externo, a oposição comunista se tornava seu maior pesadelo.  Já em 1931 o Partido Comunista Chinês recém-formado tinha Mao Tsé-Tung como líder.

Mesmo com o apoio dos Estados Unidos depois do ataque japonês a Perl Harbor e a segunda guerra mundial, o Partido Nacionalista não conseguiu conter as graves dificuldades econômicas da China, propiciando a oportunidade a Mao de aplicar um golpe e fundar a República Popular da China.

A economia da China já havia perdido sua importância no cenário mundial. Em 1800, ainda sob a Dinastia Qing, a China detinha um PIB que era 32% do PIB mundial. A situação semicolonial que passou a ter por vários tratados desiguais e a perda das duas guerras do ópio levaram a China a reduzir sua participação no PIB mundial para apenas 5% e, com a gigantesca população, tornou-se um dos países mais pobres do mundo, com uma inflação totalmente descontrolada. Essa foi a grande oportunidade para a vitória do Partido Comunista.

Fatores internos também contribuíram para o golpe. A economia chinesa, essencialmente agrária, era lastrada numa agronomia familiar em pequenas propriedades. Não havia forma de crescer a não ser tentarem utilizar novas áreas menos produtivas. Os campos inundáveis naturalmente foram escasseando e o país entrou num ciclo vicioso.

Mao saiu vitorioso no embate com os Nacionalista que se isolaram na pequena parte insular da China, na época Taipé. Até hoje, Taiwan se mantém separado da grande China continental e é considerado um país desenvolvido que está entre as 30 maiores economias do mundo.

Em 1949, Mao criou a República Popular da China com uma economia central unificada baseada na teoria de Karl Marx.

Mas os problemas da economia chinesa não foram facilmente resolvidos apenas pelo pensamento marxista. Marx explicava muito bem como a sociedade chegava à revolução, mas não era muito eficiente em estabelecer como promover o desenvolvimento numa economia tão pouco eficiente como era a da China.

Ao perceber a ineficácia na solução dos problemas econômicos práticos, o PCC (Partido Comunista Chinês) se viu perante três alternativas: (1) Seguia o modelo capitalista do Reino Unido ou Estados Unidos; (2) Seguia uma adaptação gradualista da propriedade privada ao sistema Comunista para conquistar o desenvolvimento tecnológico ou (3) Seguia o modelo de Stalin de coletivização rápida para tentar alcançar o ganho de escala que geraria a necessária produtividade.

Naquele momento era impossível cogitar em aplicar um sistema capitalista no pós-revolução comunista. Segundo Marx, uma condição necessária ao desenvolvimento era o desenvolvimento tecnológico antes da completa comunização. E como era claro que aplicar o sistema stalinista de imediato não seria viável na China, a opção foi pelo sistema de mudança paulatina que Lenin imaginou para o sistema de comunas, mantendo as propriedades privadas até que se alcançasse um maior desenvolvimento. Assim, a ideologia comunista cedeu um pouco em prol da lógica econômica.

Ficou assim até 1955, quando o Partido Comunista, ainda com Mao no comando, decidiu abandonar a estratégia gradualista e partir para o Socialismo de forma total. Incentivos à propriedade privada foram derrubados e foram estabelecidos coletivos que se aglomeraram para formarem as comunas. Chamaram essa mudança de rumo de “O Grande Salto”.

Ao mesmo tempo, houve um forte investimento no setor industrial que movimentou, sob controle do estado, uma migração limitada, mas importante, da população do campo para as cidades.

As comunas deviam ser autossuficientes e, aos poucos, os serviços sociais foram deixados a cargo delas, enquanto continuavam sob o controle estatal nas cidades. Logo ficou claro que os benefícios da população urbana eram muito superiores aos da população rural. O objetivo do setor rural era produzir alimento barato para o setor urbano industrial, considerado o a vanguarda do socialismo.

Para manter o produtor rural no campo foi necessário endurecer através do abandono do sistema gradual . Com o endurecimento do controle da população rural o campo perdeu sua capacidade de evoluir. O crescimento agrícola que estava a 1,7% caiu para 0,2% nos anos que se seguiram a essa nova estratégia.

Mortes por inanição nas províncias rurais chegavam a 4% e 6% da população em várias regiões e a fome era endêmica. Estima-se que cerca de 30 milhões de pessoas morreram de fome devido ao processo de industrialização da China comunista. Nesse período, a China sofreu uma forma fatal de má distribuição de renda.

Mas, apesar dessa dificuldade e desse custo inimaginável, houve progresso importante na era maoísta. Os fins chegariam, apesar dos meios. Entre 1952 e 1978 (Maddison, 2007,p.59) o PIB per capta subiu 82% e a produtividade do trabalho subiu 52%. Claro impacto do crescimento urbano controlado pelo Partido Comunista.

Também segundo Maddison, a China, que teve um crescimento do PIB negativo entre 1913 e 1952, teve um crescimento anual do PIB de 2,3% entre 1952 e 1978.

Com a morte de Mao em 1976 surge um novo líder com novas ideias sobre comunismo e socialismo. Esse novo líder da China nunca foi um líder formal, mas foi um líder indiscutível depois da morte de Mao em 1976. Liderou a China de 1978 a 1989. Esse líder foi fundamental para completar “O Grande Salto” que havia sido iniciado por Mao e que é responsável a levar a China ao patamar que está hoje.

Deng Xiaoping, sem desmerecer Mao e suas conquistas, trouxe uma nova visão mais avançada sobre como continuar o desenvolvimento da China. Pensava que não tinha nada de errado para um país de decisão centralizada considerar as força de mercado e adaptar-se a ela. Percebeu que a China podia e devia abrir-se ao mercado e que poderia fazer isto com sucesso.

Um pensamento basilar de Deng é o seguinte:

“A diferença entre capitalismo e socialismo não é que a economia de mercado se oponha à economia planificada… Você não pode pensar que, se nós tivermos uma economia de mercado, nós estaríamos perseguindo uma trajetória capitalista… Tanto uma economia de planejamento central quanto uma economia de mercado são necessárias. Se nós não tivermos uma economia de mercado, nós teremos de nos acomodar e ficar para trás.” (Xiaoping, 1944c)

Xiaoping acreditava que o maior erro na implementação inicial do socialismo, etapa primeira e necessária ao comunismo, foi ignorar a supra importância do desenvolvimento das forças produtivas, gerando uma abundância de bens materiais, conforme a teoria de Marx.

“Uma das nossas deficiências após a fundação da RPC foi que nós não prestamos atenção o suficiente às forças de produção do país. Socialismo significa eliminação da pobreza. Pobreza não é socialismo, muito menos comunismo.” (Xiaoping, 1994ª)

Por outro lado, Xiaoping acreditava que algo que ele chamava de “Ditadura Democrática” era essencial para manter a unidade do país. “Democracia só pode ser desenvolvida gradualmente.”  (Xiaoping, 1994c)

Baseado nessas convicções, Xiaoping iniciou uma gradual reforma, incentivando a meritocracia e mecanismos de incentivos fundamentais para impulsionar a produção. Isso também se aplicou numa gradativa abertura ao exterior permitindo que as forças de mercado atuassem na melhoria da produção na China. As comunas e os coletivos que fracassaram no sentido de melhorar a produtividade passaram a sistemas de responsabilidade familiar, agora com a diferença fundamental de permitir a produção e venda, a preços de mercado, dos excedentes estabelecidos pelo partido. Isto criou um incentivo fundamental para o incremento da produtividade.

Entre as grandes inovações desse novo sistema socialista chines foram a introdução da meritocracia, do incentivo à produtividade e aquisição de parâmetros de competitividade em função da abertura de mercado. Todos esses mecanismos que fazem parte fundamental de um capitalismo eficiente foram introduzidos por Xiaoping. A diferença foi manter o controle total de um governo central e manter o foco socialista.

O mercado interno teve ainda um maior impacto no desenvolvimento da China sob o comando de Xiaoping que passou a permitir a entrada de capital e tecnologia estrangeiros no país. Um fator, talvez ainda de maior importância, foi a criação formação de empresas de aglomerados chamadas de “Township Village Enterprises” (TV Es) que atuaram no desenvolvimento da produção agrícola através da industrialização rural. Nessas “TV Es” surgiu uma nova classe de empreendedores chineses que contava com o incentivo e apoio do Partido.

A política econômica de Xiaoping deu resultado tanto no campo quanto na indústria. Em doze anos, de 1980 a 1982 a produção de grãos teve um aumento de 30%. A participação de bens vendidos a preços de mercado passou de absolutamente nada em 1978, para 13% em 1983 e 46% em 1991. (OECD, 2005, 9.9)

Entre os períodos 1952-1978 e 1978-2003 o crescimento médio anual do PIB Chinês passou de 4,39% para 7,85%, enquanto o crescimento anual médio do PIB per capta passou de 2,33% para 6,57%. (Maddison, 2007, p.68)

O Grande Salto da Economia Chinesa era materializado.  

O desenvolvimento Chinês não ocorreu sem alguns sérios sobressaltos. Havia muito dinheiro e muito controle na tomada de decisão. Surgiu o inevitável aumento da corrupção para a comercialização de produção fora do sistema controlado com preços mais baixos. Com o mercado aberto, outra figura que antes era camuflada com o racionamento, também apareceu. Desbalanços entre oferta agregada e demanda começaram a criar inflação visível ao povo.

Um incidente chamou a atenção e indignou a opinião mundial depois que estudantes chineses iniciaram um protesto que se chamou “Interlúdio da Praça da Paz Celestial”. A mão pesada e implacável do governo central culminou no estabelecimento de lei marcial e no massacre de muitos estudantes em 4 de junho desse ano. Esses eventos e o descontrole da economia deu oportunidade a membros do Partido Comunista que discordavam das reformas de Xioaoping tomarem o poder em 1989.  

A política de abertura de mercado, incentivo ao aumento da produtividade, o apoio ao surgimento da nova classe de empreendedores, a meritocracia e os superávits comerciais poiadas por políticas de câmbio e financeiras possíveis com os grandes superávits comerciais foram fundamentais para criar um círculo virtuoso que catapultou o crescimento da China por décadas. Os ajustes para privilegiar a zona urbana e as empresas estatais em detrimento da rural, de incentivar o capitalismo empreendedor das TV ES permitiram um modelo de desenvolvimento chins que passava, cada vez mais, a se basear na exportação e no investimento advindos dos significativos superávits comerciais. A importância da produção rural diminuiu. De 82% sobre o total da produção chinesa em 1979 passou para 49% em 2010. O legado de Xiaoping foi o maior para a existência da China atual.

O foco no desenvolvimento, mudanças de rumo fundamentais, governo centralizado e líderes lúcidos. Abertura econômica, meritocracia, empreendedorismo, competitividade e respeito às leis de mercado, superávits fiscais e investimento são os aspectos a serem observados e aprendidos com a China.

A forma de implementar esse desenvolvimento com uma ditadura das mais cruéis e selvagens, o uso e abuso do trabalhador, principalmente do trabalhador rural, a total falta de liberdade, chegando ao controle de migração, são os aspectos negros a serem evitados.

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