WAGNER RODRIGUES POETA E CRONISTA

TEXTOS ORIGINAIS E PUBLICADOS NOS LIVROS DO AUTOR

TORTURA DEMOCRÁTICA (Crônica original)

O filme “Silence of the lambs”, que rendeu Oscar a Anthony Hopkins e Jodie Foster, evoca uma lenda de que as ovelhas seriam animais ingênuos e gentis que não se rebelam ao serem levadas ao sacrifício.

Esse comportamento das ovelhas está longe de ser preciso. Ovelhas são animais com alto grau de inteligência social. Tem uma memória importante, sendo capazes de reconhecer feições humanas por longos períodos e lembrar-se dos membros do rebanho mesmo anos depois de separados. Possuem uma visão periférica quase total, chegando aos 300o, que lhes permite tanto detectar a presença de predadores como auxilia na forma gregária de viver. Suas memórias, também, lhes permitem aprender com erros e mudar o comportamento para evitá-los.

Pastores podem ser mais inteligentes que as ovelhas ao usarem os recursos delas em seu proveito, escondendo seus verdadeiros propósitos. Entretanto, um pastor negligente corre o risco de que o rebanho possa, por fim, enxergá-los como realmente o são, predadores que atacam de forma sorrateira enquanto se portam como seus protetores.

Para serem eficientes, é verdade, mostram sua proteção quando outro predador tenta roubar suas vítimas e tornam-se grandes inimigos dos lobos oportunistas. Mas o cordeiro grelhado não escapa à gula do cuidador.

A maioria dos governos das sociedades humanas comportam-se como esses pastores, escondendo seus verdadeiros propósitos de forma mais ou menos eficiente.

Há pastores grosseiros, que atuam como lobos. São os ditadores de carteirinha. Temos vários atuando no mundo moderno. O Assad da Síria que acabou de ser deposto, Hussein no Iraque que foi traído por seus mentores, Jong-um na República Popular da Coreia, Maduro na Venezuela, Salman na Arábia Saudita, vários governos militares na América do Sul e no mundo, entre muitos outros. Esses governos, que se mantém pela força e pelo medo, usam tortura explícita como ferramenta até que o povo não aguente mais e se rebele. Em algum momento de fraqueza esses pastores grosseiros são massacrados pelas ovelhas.

Existe, porém, um tipo mais sutil de torturadores. É uma tortura que talvez não seja o instrumento direto de poder, mas, infelizmente, é ainda mais devastadora que a tortura óbvia. O objetivo é o mesmo, a manutenção do poder e a garantia do churrasco de costela. Resolvi chamar essa tortura de “Tortura Democrática”. Imagino que, como qualquer tortura, irá, em algum momento, ser tão terrível que provocará a revolta do rebanho e a destruição dos algozes.

Não há como evitar que a sede de poder e as regalias provindas não afetem o rebanho. Embora pareça um silogismo manco, o fato deste objetivo primordial não ser o bem estar do rebanho, mas o do poder, o resultado mais provável é a tortura democrática do rebanho, principalmente quando a grama escasseia.

Esse é o caso do atual governo do Brasil, terceiro mandato do presidente preso pela justiça de Curitiba, ratificado pela justiça e até pelo STF e finalmente solto por filigranas processuais num conjunto de poderosos que uniu todos os pavores dos corruptos e corruptores. Todas as denominações políticas, desde a mais extrema e revolucionária esquerda à mais conservadora e retrógrada direita, todos os poderes, todos os poderosos se uniram para manter a atual democrática atuação em prol do status-quo do uso e abuso do pastoreio.

O atual governo insiste, na cartilha do partido dos trabalhadores e do próprio presidente da república, em uma irresponsável e negligente gerência da economia do país. O objetivo míope que vê apenas até a próxima eleição, faz com que o rebanho esgote o último lote de grama verde, agigantando o deserto da dívida do país.

O rebanho permanecerá fiel enquanto houver alguma grama. Mas a desertificação inevitável cobrará o preço. A democrática tortura será crônica. Assim como o sapo colocado na panela de água fria, o rebanho irá se acostumando com a pobreza, com o pasto escasso. Assim tem sido na Venezuela até pouco tempo atras. O deserto da dívida pública será tão grande que não haverá mais como plantar ou para onde levar o rebanho. A diferença entre o churrasco de costelas nas mesas dos donos do poder e o pasto das ovelhas magras comendo os últimos tufos de capim do deserto será evidente. Culparão a Deus, ao efeito estufa, ao raio que o parta até que será evidente, até à mais dócil das ovelhas, aquilo que se passou e que se passa.

Nesse momento será a oportunidade para qualquer salvador da pátria, qualquer bode teimoso iniciar a revolta do rebanho. O “silence of the lambs” será transformado num “roar of the lambs”. A mágica transformará as ovelhas em leões ou hienas furiosas que comerão todos os pastores e quem mais estiver por perto.

Mas será tarde. A tortura democrática continuará, pois sem pasto não existem ovelhas e sem ovelhas, gazelas ou zebras não haverá nenhum leão que sobreviva.

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