WAGNER RODRIGUES POETA E CRONISTA

TEXTOS ORIGINAIS E PUBLICADOS NOS LIVROS DO AUTOR

Memórias póstumas de Ymir (Crônica de Deuses no divã)

Eu vim do mundo das névoas, fruto do Gelo Mágico. Sou o princípio dos princípios de tudo o que vive e de tudo o que morre. Sou o pai de todos os deuses e de todas as criaturas, exceto os meus iguais, criaturas posteriores a mim, mas também criadas do Gelo Mágico do norte ou pelo Fogo Mágico do sul.

Sou o Titã dos titãs, do meu suor surgiram criaturas místicas: monstros, gigantes e demônios. Os entes escorreram quando o gelo de que sou formado derretia sob o calor do mundo do Fogo Mágico. Assim surgiram outros gigantes que geraram outros gigantes, que acabaram por gerar os deuses. Entre esses deuses Odin e seus irmãos Vê e Villi.

Nunca pretendi gerar nada do que gerei, mas a coisa foi acontecendo, independente da minha vontade. Ora por causa do Reino do Fogo, ora por causa de uma lambida de outro titã, causas meramente ocasionais.

Sempre fui muito frio, na acepção da palavra. Também na minha origem. Meu alimento predileto era o leite mágico. Adorava leite.

Por minha origem e índole sempre fui desprovido de sentimentos. A maldade e bondade derivaram de mim por puro acaso, resultado de forças primordiais, incontroláveis.

Ninguém que eu conheça criou nada disso. Os céticos, físicos e cientistas pensam como eu pensava. Pensava! Sim, eu já morri faz muito tempo. Na verdade, fui morto pelos deuses que surgiram dos descendentes do meu suor. Odin e seus irmãos foram meus assassinos.

A minha morte foi responsável pelo surgimento do mundo dos humanos e das criaturas viventes daquele mundo. Como eu, tudo que derivou de mim não é bom, nem mau. O mal e o bem não são atributos dos titãs, são coisas que os deuses instituíram para justificar os seus atos hedonistas.

Os deuses são todos assim. Tem o deus na barriga, desculpem-me a redundância. Eles se acham! Tem enorme necessidade de admiração, adoração, temor. São uns frustrados. Dependem muito das crenças e são os propagadores da fé. Assim eles dependem dos seus crentes para se locupletarem.

Minhas memórias póstumas estão aqui para preveni-los. Livrem-se da fé, da crença, da obediência, dos dogmas e das orações. Elas fortalecem vossos opressores e preparam sua própria destruição.

Eles tentaram destruir nossa reputação, nunca se contentaram em destruir a nossa existência. Sua ingratidão é infinita.

Da terra e do estrume, nem sempre nasce uma flor, ou vice-versa.

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