WAGNER RODRIGUES POETA E CRONISTA

TEXTOS ORIGINAIS E PUBLICADOS NOS LIVROS DO AUTOR

Briga de moleque (Crônica de Memórias de um paulistano)

No início da noite de alguns poucos sábados seguíamos rumo à Pizzaria O’Chocci que ficava na esquina da rua Bento Bicudo com a avenida Paula Ferreira, no bairro do Piqueri.

Além de meus pais e minha irmã, frequentemente nos acompanhavam meus tios sem filhos que eram nossos vizinhos e, algumas vezes, meus avós maternos que moravam com eles. Seguíamos a pé, numa caminhada de uns vinte minutos, em ritmo de passeio. As pizzas pareciam  mais gostosas no inverno.

No final da década de 1950 era comum haver neblina pelo caminho. Era a serração daquela que, então, fazia jus ao jargão: “São Paulo da Garoa”.  

– Meia aliche e meia mozzarella, íamos pedindo uma de cada vez. Mas mesmo nessas raras ocasiões, voltávamos a tempo de assistir aos imperdíveis “Os Reis do Rinque” com Ted Boy Marino, Aquiles, Índio Paraguaio, Fantomas e muitos outros astros da luta livre.

Era muito divertido assistir ao programa ao lado da minha  avó, que torcia fanaticamente pelos lutadores “bonzinhos”. Assim, ficávamos na casa dos meus tios até que as lutas terminassem.

Os golpes das lutas iam ficando na memória. A gravata, uma tesoura no abdômen, as acrobáticas voadoras iam enchendo linguiça até que uma chave de coluna levasse o oponente aos tradicionais três tapinhas que indicavam o término da luta. Dizíamos que o desistente tinha pedido água!

Nas manhãs de sábado, acompanhava meu pai e meu tio à sede do Grêmio Desportivo Recreativo Piqueri. Lá costumava jogar pingue-pongue, tomar uma caçulinha enquanto os adultos tomavam um rabo-de-galo e, pouco antes do meio dia, voltávamos para casa para almoçar. Esta era a rotina do começo do final de semana.

Quando tinha uns 12 anos de idade, numa dessas idas ao clube, levei minha bola nova e fui  jogar futebol num terreno baldio ao lado da sede. Acontece que aquela não era a turma da minha rua que me conhecia e era amiga. Nesses grupos de moleques tem sempre um “espírito de porco”, aquele que gosta de arrumar confusão, mostrar-se aos outros, talvez para que se mantivesse na liderança da turma. Um desses, assim que terminou o jogo, pegou a minha bola e disse que não iria devolver.

Eu não tinha escolha, era obrigação de qualquer menino dizer que se não a devolvesse, ele iria apanhar! Desafiado,  o menino chutou a bola longe e sem que eu percebesse o que havia acontecido tinha o meu  oponente imobilizado, com sua cabeça presa numa daquelas gravatas dos lutadores.

Até ali tudo bem, certo? O problema era o que fazer em seguida. Na briga de rua não havia juiz nem a regra dos três tapinhas. O que fazer com o moleque preso pelo pescoço? Apertar até que ele desmaiasse ou morresse? Eu não queria machucá-lo. Só achei que a luta pela honra era  minha obrigação.

Lembro-me de ter levado uns dois ou três chutes dos amigos dele pelas costas, mas acho que tinham algum receio de entrar na briga, já que eu tinha o líder deles preso daquele jeito. Apesar da aparente vantagem, acho que eu era quem estava com mais medo entre todos.

Finalmente, um adulto vendo o tumulto veio nos separar. Foi um grande alívio. Enquanto o adulto nos dava uma bronca, meu oponente, ainda com raiva, desferiu-me um soco. Eu estava tão aliviado que praticamente não percebi a pancada, continuei atento ouvindo o que dizia o apaziguador. O menino ficou nisto, não sei se arrependido por ter me acertado distraído ou se com medo pelo pouco impacto do seu golpe.

Naquele momento, de olho roxo, resolvi deixar as lutas aos Reis do Rinque!

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