WAGNER RODRIGUES POETA E CRONISTA

TEXTOS ORIGINAIS E PUBLICADOS NOS LIVROS DO AUTOR

O castigo de Atlas (Crônica de Deuses no divã)

Sei que sou um deus controverso. Mas há de convir que quem tem um pai como Cronos, que come seus filhos para manter o poder, acaba com algum tipo de psicose. Ainda bem que ele era guloso e não gostava de mastigar. Imaginem como meus irmãos teriam ficado se fossem todos mastigados!

Como devem saber, graças a minha ardilosa mãe, que também era péssima cozinheira, eu não fui comido por meu pai. Ela serviu-lhe uma pedra, ao invés disso, toda vestidinha de bebê. Cronos a engoliu de uma vez.

Cresci na base de leite de cabra e mel, distante do meu pai. Quando estava bem fortinho, parti para o revide.  Primeiro consultei uma amiga sílfide, uma vez que era bulímica. Ela recomendou que eu usasse xarope de ipeca para provocar vômito em Cronos.

Vomitados já adultos, meus irmãos e eu iniciamos a guerra dos dez anos contra meu pai e outros Titãs. Foi uma guerra terrível, mas não morreu ninguém, não. Éramos todos imortais e, no máximo, conseguia-se submissão. Mais ou menos como no MMA. Graças a meu raio, presente generoso que ganhei dos meus tios-avôs, os ciclopes; eu, Zeus, e meus irmãos vencemos a batalha derrotando os titãs. Foram todos presos num lugar infernal, chamado tártaro.

Acontece que um dos titãs era escultural. Lindo e muito forte. Mesmo no tártaro seria sedutor demais para as humanas. Não gostei nada daquilo. Poderia até haver suicídio coletivo só para encontrá-lo. A solução foi condená-lo a carregar a terra, que como também devem saber, no meu tempo, era em forma de disco. Debaixo do disco da terra, Atlas não podia ser visto pela mulherada que estava em cima.

Já lá no seu castigo, Atlas teve um desentendimento com um dos meus filhos, o Hércules. Esse meu filho era forte e muito trabalhador. Num dos seus trabalhos ele precisou da ajuda de Atlas. Para que Atlas o ajudasse em um dos seus trabalhos, prometeu que iria ser o substituto no castigo de segurar a terra. Atlas o ajudou e estava todo feliz, quando Hércules pediu-lhe que segurasse um pouco a Terra de volta, para limpar o nariz. Inteligência sempre faltou a Atlas. Ao pegar a Terra de volta foi enganado por meu filho, que saiu de mansinho.

Achei a situação meio constrangedora pela safadeza de meu filho. Afinal sou deus, não sou?

Para fazer alguma justiça, fui deixando a terra arredondar-se, criei a força da gravidade que foi chamada de pilares de Hércules. Assim, finalmente, pude aposentar Atlas, que virou um oceano. O Oceano Atlântico, certamente! Atlas ficou com a boca aberta, pois não esperava tal magnanimidade da minha parte. Sua boca aberta criou o estreito de Gibraltar. Bem maluco, não é? Religião de grego é assim mesmo.

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