WAGNER RODRIGUES POETA E CRONISTA

TEXTOS ORIGINAIS E PUBLICADOS NOS LIVROS DO AUTOR

Finitude/Crença/Filosofia/Ideologia (Crônica original)

Neste texto vou me ocupar de temas que me são caros e creio que estejam presentes, se não com frequência, pelo menos nos momentos mais críticos da vida.

Se me perguntarem se eu creio que Deus existe, minha resposta honesta seria: “Não tenho a menor ideia!” Não há como evitar a crença, mas há como evitar a desonestidade. O ateu, se assim se denominar, acredita que Deus não existe.

No meu caso e no caso da maioria das pessoas que buscam as respostas verdadeiras, esse Deus que talvez exista ou talvez não exista seria um Deus muito peculiar. Um Deus que certamente falha ou desconsidera comunicar-se, um Deus autista, desinteressado ou realista da absurda tentativa de se fazer entender. Não sei ao certo. Assim, sua existência admitiria a coerência de não intervir na criação.

Os deuses criados pelas civilizações para atenuar a angústia da finitude são só isso. Criações obtusas da sociedade, desprovidos de razoabilidade. Todas as religiões derivadas do judaísmo, como o islamismo e todas as fés cristãs falham já na própria contagem do tempo. Na leitura dos escritos sagrados dessas religiões, o leitor que saiba somar e interpretar texto concluirá que nosso universo teria sido criado dentro de um tempo ridiculamente pequeno, pouco mais de seis mil anos. Na leitura de Gênesis, ao somar as gerações com suas figuras destacadas, pode-se concluir que, desde a criação de Adão até o dilúvio, teriam passado apenas 1656 anos. Do dilúvio até o nascimento de Abrão, figura fundamental em todas essas religiões, mais 352 anos. De Abrão até Jesus Cristo, outros 1996 anos e de Jesus até agora os 2024 anos que marcam nossa era. A menos que se acredite que a humanidade está no universo há 6028 anos e que o Universo tenha esses 6028 anos mais sete dias, fica difícil acreditar nessas religiões.

O espiritismo, religião que tenta usar a ciência como base, também falha de forma mais sutil na matemática. Para que todos que hoje vivem terem experimentado a evolução pela reencarnação, não haveria vidas passadas suficientes. O crescimento geométrico da população da Terra não deixa a conta fechar. Não teria havido vidas suficientes para tantas reencarnações. Precisaríamos que fosse feito um ajuste na teologia espírita com uma grande fábrica de novas almas.

Confesso entender muito pouco de filosofia, exceto o essencial. Definir seu objeto é distinto do que em outros campos mais específicos do conhecimento.

É claro o objeto da matemática, da física, da história, da economia, mas definir o objeto da filosofia de forma diferenciada não é realista. Este campo do pensamento humano, por ser o original, é o motor de todo resto, não de si mesmo.

Filosofia é o efeito da curiosidade, da necessidade de saber que existe no ser humano. É o alimentar-se do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Sendo assim, ela nunca será conclusiva. Isso não deve assustar ninguém.

Eu imagino que se Deus existir e se ele tiver uma linguagem, ela seria a matemática. Talvez porque a matemática seja a língua que descreve as leis do universo. Mesmo o universo da incerteza e ambiguidade da física quântica não prescinde da matemática.

Não sabemos ainda se o Universo é finito ou infinito. Houve um momento que os físicos acreditaram ter chegado perto do fim da sua ciência. Acreditaram que Newton teria codificado quase tudo que a física podia comportar. Hoje, os físicos conhecem muito mais e só estão mais confusos. Não há nenhuma teoria forte o suficiente para ser comprovada.

Assim não há o que criticar na filosofia se ela não se define.

A filosofia, por ser honesta, mas humana, funciona como um pêndulo. Ora privilegia a razão, ora o experimento.

Da mesma forma funciona o pensamento ideológico.

Ideologias são formas de imaginar o que é melhor para uma vida em sociedade.  

Melhor como?

Sem ter essa resposta, não acredito que exista a possibilidade de discussão sobre ideologia.

É fundamental esclarecer o que se pretende com a vida social antes de imaginar qual ideologia seria  mais adequada. Assim como na filosofia é importante definir o que se pretende com esse esforço. Qual o objetivo?

O objetivo poderia ser alcançar a felicidade.

Qual felicidade? Felicidade da maioria, das minorias, dos oprimidos, dos seres de boa vontade? Difícil, não é?

Talvez pudesse ser alcançar a igualdade. Uma justiça, mesmo que fosse uma justiça miserável? Pois justiça, sem prosperidade, seria esse tipo de justiça.

Talvez seria alcançar a prosperidade da sociedade e da maioria dos membros da sociedade. Ou mesmo alcançar a prosperidade de toda sociedade em algum momento e da maioria possível no processo. Poderia ser esta uma ideologia válida?

A origem do pensamento ideológico surge na revolta contra a estrutura anterior de uma sociedade, na revolta da plebe contra a nobreza, do proletariado contra o capitalista, mas não só isto. Surge no descontentamento não só das minorias, mas de todas as formas de opressão. Opressão de raça, opressão religiosa, opressão de gênero e todas as demais. Houve avanço do pensamento e das conquistas progressistas em certas sociedades, enquanto noutras continua uma amarga e feroz opressão.

Como todo pêndulo, há o momento em que a massa passa do ponto de equilíbrio e começa a desafiar a gravidade. A consequência é inevitável, pois a energia contrária irá se acumular até o insuportável.  

Acredito que na estruturação das relações econômicas é onde o pêndulo desafia a revolução ideológica. Justo na área mais elaborada pelos teóricos da ideologia é onde o ideal não se confirma. Pelo contrário, onde ocorrem os mais graves erros do pensamento progressista.

Na evolução do pensamento Marxista, a inevitável revolta nos levaria a sociedades igualitárias dominadas pelo proletariado, nas quais, em algum momento, haveria prosperidade e justiça. Mas, na prática, onde houve a revolução do proletariado, as consequências foram trágicas. Tragédias econômicas e tragédias sociais. Quase todas criaram regimes ditatoriais dos mais opressores e não criaram prosperidade. Pelo contrário. Todas declinaram de forma crítica. Mesmo os movimentos socialistas que aconteceram em economias desenvolvidas, como as dos países nórdicos, o baque econômico ocorreu. Algumas dessas sociedades desabaram e o contraste de países divididos entre os dois regimes, como a Alemanha, escancarou o fracasso do comunismo. Para sobreviver, a China abandonou a dinâmica equalitária e apelou ao capitalismo, mantendo sua ditadura no poder.

Para evoluir o pensamento na escolha ideológica para o progresso há que se entender como age e a que responde o ser humano.

A primeira derivação de Henri de Santi-Simon “A cada um conforme suas capacidades, a cada capacidade conforme suas obras” (“À chacun selon ses capacités, à chaque capacité selon ses œuvres”) foi modificada por  Louis Blanc no texto Organisation du travail, de 1839: “De cada um conforme seus meios, a cada um conforme suas necessidades” (“De chacun selon ses moyens, à chacun selon ses besoins”) que foi popularizada a partir da obra de Karl Marx. Todas essas variações poéticas derivam da parábola dos talentos de Mateus 25 – versículos 14 a 30:

14 E também será como um homem que, ao sair de viagem, chamou seus servos e confiou-lhes os seus bens.

15 A um deu cinco talentos, a outro dois, e a outro um; a cada um de acordo com a sua capacidade. Em seguida partiu de viagem.

16 O que havia recebido cinco talentos saiu imediatamente, aplicou-os, e ganhou mais cinco.

17 Também o que tinha dois talentos ganhou mais dois.

18 Mas o que tinha recebido um talento saiu, cavou um buraco no chão e escondeu o dinheiro do seu senhor.

19 “Depois de muito tempo o senhor daqueles servos voltou e acertou contas com eles.

20 O que tinha recebido cinco talentos trouxe os outros cinco e disse: ‘O senhor me confiou cinco talentos; veja, eu ganhei mais cinco’.

21 “O senhor respondeu: ‘Muito bem, servo bom e fiel! Você foi fiel no pouco, eu o porei sobre o muito. Venha e participe da alegria do seu senhor!’

22 “Veio também o que tinha recebido dois talentos e disse: ‘O senhor me confiou dois talentos; veja, eu ganhei mais dois’.

23 “O senhor respondeu: ‘Muito bem, servo bom e fiel! Você foi fiel no pouco, eu o porei sobre o muito. Venha e participe da alegria do seu senhor!’

24 “Por fim, veio o que tinha recebido um talento e disse: ‘Eu sabia que o senhor é um homem severo, que colhe onde não plantou e junta onde não semeou.

25Por isso, tive medo, saí e escondi o seu talento no chão. Veja, aqui está o que pertence ao senhor’.

26 “O senhor respondeu: ‘Servo mau e negligente! Você sabia que eu colho onde não plantei e junto onde não semeei?

27 Então você devia ter confiado o meu dinheiro aos banqueiros, para que, quando eu voltasse, o recebesse de volta com juros.

28 ” ‘Tirem o talento dele e entreguem-no ao que tem dez.

29 Pois a quem tem, mais será dado, e terá em grande quantidade. Mas a quem não tem, até o que tem lhe será tirado.

30 E lancem fora o servo inútil, nas trevas, onde haverá choro e ranger de dentes’.

Creio que o cristão olhava o homem com mais realismo, sem o romantismo socialista. O socialismo original foi sendo modificado aos poucos e para pior, por ignorar como funciona o homem em sociedade. O trabalhador, que não é compensado segundo seu esforço, acaba tornando-se menos ou nada produtivo. Sem a produção de cada um, segundo sua capacidade, a sociedade fracassa. Se não houver riqueza, não haverá o que ser distribuído.

O empreendedor, não é o nobre preguiçoso e explorador. Ele encontrou formas eficientes de criar riqueza. Ele dá oportunidade ao trabalhador e o bom trabalhador que atua com mais eficiência será disputado entre os empreendedores e será compensado na proporção do seu esforço e capacidade. Quanto mais empreendedorismo maior será a demanda para o trabalho e maior a compensação ao trabalhador. Quanto mais compensação, maior será a demanda por riqueza, completando o ciclo virtuoso. Esse não é um pensamento utópico. Não é romântico, mas foi provado e comprovado nas sociedades que, de fato, evoluíram neste quesito.  O trabalho escravo levou a sociedade apenas a uma fração daquela na qual o esforço é recompensado devidamente, na proporção da expectativa do trabalhador e do valor do que é criado. A esmola leva o ser humano à atitude do servo de Deus que recebe um talento e o enterra ou o aposta num BET qualquer.

A luta por muitos objetivos progressistas ainda está muito longe do bom equilíbrio e deve continuar. No processo, entretanto, é necessário que se tenha em mente o objetivo da inserção, não do protecionismo. O protecionismo que salva uma vida num momento, pode, mais adiante, condená-la à mediocridade.

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