
Bom dia, Sig. Sou Cronos, a seu dispor!
Você parece muito bem para um simples mortal! Estou precisando muito lhe falar.
Meu pai Urano (Cosmos) e minha mãe Gaia (Terra) estão envelhecendo e desgastados. Antes, imaginava que fossem eternos, mas agora começo a perceber que não é bem assim.
Meu pai cresceu muito desde sua origem na singularidade, embrião de tudo que existe. Dizem que eu nasci ali, muito antes de minha mãe. Coisa só possível a nós, os deuses.
Esse crescimento estupendo e abominável foi tornando meu pai mais frio e rarefeito, fadado a se transformar numa vastidão de quase nada. Isso o perturbou incrivelmente. Acho que está perdendo a razão.
Tem criado milhões de bocas, ínfimas em sua dimensão, mas com voracíssimo apetite. Essas bocas devoram tudo e todos que tem a desfortuna de passar por seus arredores.
Há quem diga que essas bocas vomitam outros universos com infinitas presenças minhas e de tudo mais. Mas isso nem eu mesmo sei em minha aparente imortalidade. Talvez seja assim minha real imortalidade, meu renascimento através dessas bocas de meu pai.
Urano viveu quase dez bilhões de anos até o nascimento de minha mãe. Mas ficou extasiado desde que a viu pela primeira vez. Ela cresceu cheia de vigor e ousadia. Jorrava fogo e erguia montanhas, nunca parecia a mesma. Isto o fascinou.
Apaixonado, meu pai a presenteou com coisas que nunca deu a outras mulheres, pelo menos a mulheres que minha mãe conhecia.
Deixou-a num local perfeito, nem muito quente nem muito frio. Protegeu-a de todas as probabilidades para que ela lhe desse os filhos menos prováveis do universo. E ela o compensou com bilhões de bilhões de filhos de todos os tipos.
Lindíssima e vaidosa, Gaia usou toda a matéria e toda vida para se embelezar, cativando cada vez mais meu pai.
Entretanto, toda fortuna traz uma maldição. A de Gaia foi gerar vocês, humanos. Curiosos, inteligentes e irascíveis. A sua fortuna foi prosperar sobre todos os outros filhos de minha mãe. Vocês dominaram todos os seus irmãos e os subjugaram, entristecendo-a profundamente.
Sinto que ela já não é a mesma. Sua tristeza lhe custou muito da exuberância e beleza. Meu pai já nem a olha com a mesma paixão.
Triste, está fadada a morrer muito antes dele e nem deixará traços da sua existência. Pelo menos vocês não estarão vivos para testemunhar seu fim. Bom, pelo menos isto é o que eu espero. Com vocês nunca se sabe. Ah! Como eu gostaria de ter o poder da onisciência, mas isto não é coisa da nossa estirpe.
Sig, sei que você crê que minha angústia é culpa de minha mãe. Bom, isto é o que dizem de você. Sinceramente preferia outro diagnóstico, tipo o que tentaram me atribuir seus precursores. Pavor de ser destronado por algum desses deuses que vocês inventam à sua imagem e semelhança. Coisa de filhos mimados demais.
Acusam-me de teofagia, se é que esta palavra existe. Logo eu que nunca tive nem terei deus filho algum, pois de fato sou único com meu pai, tipo uma trindade de dois, Tempo e Espaço. Pergunte ao Albert se você não entende direito, ele lhe explica melhor. Sim, sim, o Albert Einstein, outro judeu bem inteligente. Acho que até mais inteligente que você. Vocês judeus são todos muito criativos e alvoroçaram a história da humanidade. Eu, Cronos, que o diga. Confesso que tenho muito ressentimento do Albert. Muita gente perdeu o respeito por mim depois do que ele descobriu e revelou. Diz que sou muito volúvel. Que absoluta mesmo é a tal da velocidade da luz. Imaginem aquela coisa tão ínfima. Apenas um ato.
Enquanto vocês ficaram quietinhos com minha mãe ninguém desafiava minha fidelidade. Eu era um deus inexorável. Esse Albert chegou a dizer que presente, passado e futuro são só ilusões. Imagine! Acho que causa espanto até em você. Não estou certo? O pior é que acho que ele tem razão. De fato, ele me conhece melhor que eu mesmo. Do meu ponto de vista eu sempre sou o que sou. Ele e sua imaginação destruíram minha autoestima. Sujeitinho pernicioso. Note que inventou a bomba atômica, ou pelo menos a idealizou. Este foi o seu castigo.
Mas Sig, eu não tenho sido o mesmo recentemente. Às vezes me sinto como se eu fosse meu irmão, Kairóz. Não no seu lado romântico, mas no seu lado mais sombrio. Tem algo a ver com esse negócio do Albert, mas é ainda pior.
Vocês humanos tem tido discussões sobre simultaneidade, probabilidade quântica, multi-existência, anti-matéria, bósons, dualidades. Estão em deixando confuso e inseguro. Estou perdendo o senso de realidade. Eu, um deus, aparentemente eterno, estou perdendo o senso de realidade!
Sig, sei que esta droga não era do seu tempo, mas creio que preciso de um PROSAC.
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