WAGNER RODRIGUES POETA E CRONISTA

TEXTOS ORIGINAIS E PUBLICADOS NOS LIVROS DO AUTOR

Conflitos de um Deus nascido (Crônica de Deuses no divã)

Bom dia doutor. Qual a sua linha de trabalho? Freudiana, Junguiana, Lacaniana? Não importa. O que eu preciso é esvaziar meu peito dessas angustias que estão me atormentado.

Bom, faz pouco mais de dois mil anos do meu nascimento. Nasci e me tornei o Filho por autoproclamação. Não sou um usurpador. Sempre honrei pai e mãe, como bom judeu que fui. Pai divino e mãe humana, como melhor cabia a mim ter. Nasci e morri judeu, mas fui um rebelde na opinião do meu povo.

Ao longo da minha vida fui percebendo minha divindade crescendo. Sabia que estava destinado a grandes feitos. Percebi isto pela clareza com que entendia a vida e as necessidades humanas. Estou certo de que o próprio Pai me enviou o seu espírito para abrir os meus olhos e corrigir as distorções que os séculos haviam atribuído à divindade. Afinal a divindade está sujeita às mentes dos homens e os homens são sujeitos a erros e confusões. Confundem frequentemente até mesmo a ideia de divindade.

Certos relatos do velho testamento acabaram por dar uma ideia incorreta do Deus criador.  Em êxodo, o querido Moisés atribui ao Deus Pai as mudanças de atitude do faraó. “Porém o Senhor endureceu o coração de Faraó, e não os ouviu, como o Senhor tinha dito a Moisés. Êxodo 9:12

Acho que Moisés não acreditava ser possível tanta teimosia da parte do líder do Egito, frente a tantas pragas. O faraó voltou atrás muitas vezes antes de libertar os hebreus do cativeiro, recebendo novo e ainda mais terrível castigo. Este “… o Senhor endureceu o coração do faraó” foi um ato falho do profeta, pois achou que tanta teimosia deveria estar sendo imposta ao faraó, deixando escapar a frase. Entretanto, ficou assim registrado para a posteridade. Creio que Moisés não podia entender tamanha teimosia sem intervenção divina. Achou que devia ser mesmo Deus querendo provar uma tese. Não admira não tenha conhecido a terra prometida.

Essas atitudes me entristeceram sobremaneira. Então passei eu mesmo a fazer atos milagrosos para que em mim crescem, assim como fez o Deus Pai. Somente dessa forma podia restaurar a verdadeira vontade divina, tão deturpada pelas mentes e falhas humanas.

Outra coisa que me entristece são esses céticos dos séculos vinte e vinte e um. Acham que entenderam um pouco da ciência do bem e do mal. Culpa de Eva, por sinal, mulher perigosa aquela! Houve o Albert com a sua Teoria da Relatividade e aquela mecânica quântica dos Schroedinger, Heisenberg e companhia. Acusam-me de não ser Deus por não ter tocado no assunto durante meus ensinamentos. O que queriam que eu fizesse? Nem havia ainda nascido o nobre Newton! Entretanto, prevendo argumentos como os de Nietzsche, Dawkins e Bill Maher, eu, sim, falei desses assuntos. Claro que não podia ficar escrevendo equações para aquele meu público da Judeia. Acabariam por me julgar um louco endemoniado. Acabariam com o Cristianismo antes do seu surgimento. Mas por parábolas e metáforas toquei no assunto, como fiz com muitas das coisas difíceis de se entender. Em João se lê:

“Falou-lhes, pois, Jesus outra vez, dizendo: Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da vida. João 8:12”. Eu usei a luz como algo que ilumina. Entretanto, figurativamente, usei a luz por ser a grandeza absoluta em contraste à relatividade do tempo, como descobriu muito mais tarde o Albert. A forma absoluta de ir ao pai seria por mim, não foi o que eu disse?

Por outro lado, todos sabem que eu morri numa sexta feira e que ressuscitei três dias depois, no domingo de páscoa, mostrando na parábola que o tempo é relativo. Isto quase dois mil anos antes do cientista tocar no assunto. Falou nisso o Veríssimo (não o erudito, aquele mais bufão, de quem gosto tanto). Foi numa discussão de um filho, com seu pensamento lógico, dizendo como podia eu ter morrido na sexta e ressuscitado três dias depois no domingo (ou no sábado de aleluia como pensam outros). Como poderiam ter se passado três dias e três noites? Qualquer mente matematicamente organizada pasma com isso. Pois aí está a apresentação antecipada da relatividade do tempo. Vocês nem podem imaginar a velocidade necessária para ir até o inferno e voltar. Eu fui na sexta e voltei no sábado, enquanto que os humanos que aqui ficaram viram passar três dias e três noites. Entendeu? Claro que não, você é um psicoterapeuta, não um físico.

Por sinal, em Atos dos Apóstolos 2.24, quase criam uma confusão, quando se referem a Hades, que era sinônimo de inferno e não aquele Deus pagão dos gregos. É uma necessidade, mas também um perigo esse negócio de profetas. Quem conta um conto aumenta um ponto, não é? Esses profetas repetem o que ouvem sem muito entendimento do que estão dizendo. Insistem nessa coisa de “subir aos céus” e “descer aos infernos”. Deus não está sentado em nenhuma nuvenzinha. Nem o inferno tem qualquer relação com o magma que sai debaixo da superfície terrestre. Deus não é um reizinho para alguém se sentar a sua direita ou esquerda. Deus criou o universo, o tempo e tudo mais. Nada existia antes dele. Não é nem destro nem canhoto. Precisam parar de escrever bobagem ou nos colocam em dúvida!

Por outro lado, já que falamos de Hades, aos gregos há algo a se louvar. Eles sempre foram bem mais, digamos, compreensivos quanto às necessidades de seus deuses. Se dizem que meu pai fez o homem à sua imagem e semelhança, por que não reconhecer certas necessidades divinas, como as têm os humanos? Falo de mim e da minha querida Madalena. Qual o problema? Essa associação entre religião e celibato é um absurdo total. Se Deus não gostasse de sexo não faria disso o meio primordial da multiplicação dos seres e até das espécies! Qual o problema com esses seguidores? Deus não erra! Não precisa de correção. Creio que se você fosse mais freudiano iria me entender melhor. Deixa para lá! Não entendo o porquê desse risinho malicioso no canto de sua boca.

No tocante à Mecânica Quântica minha crucificação e ressurreição são paradigmáticas! Estou morto e não estou, crucificado e ressurreto. Nem o gato de Schroedinger fez tantos prodígios de estar e não estar. Não devo revelar agora, mas posso dizer que nem Einstein, nem Heisenberg, nem o sofrido do Hawking tiveram a menor ideia de como de fato arquitetei o universo. Continuarão a derrapar na maionese por outros milhares de anos sem entender direito. Repito, ninguém chega ao pai senão por mim, e não sou nenhum buraco negro. Você me entende?

Muitos desses céticos afirmam que eu nem existo ou existi. Que não passo de uma ideia. Qual o problema de ser uma ideia? Toda a física, de que tanto se vangloriam esses céticos, são ideias! Nada há nela que não sejam ideias. Por sinal fizemos a matemática como forma de expressar essas ideias, tentar medi-las, tentar comprová-las. Não, não bastou comer do fruto do bem e do mal. Era somente um teste. Um teste onde os humanos foram reprovados. Os humanos querem saber, mas não sabem. Apenas isso lhes foi dado com o fruto.

Por simpatia à causa humana eu existo e vim para definir o caminho à humanidade. Sou esse Deus. Deus homem e falível, assim como o Pai planejou. Por isso aqui estou, sentado nesse consultório com luz indireta, conversando com você, doutor. Pois sou um Deus humano, com todas as angústias e ansiedades humanas, mesmo sendo divino. Este é o verdadeiro mistério.

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