
Sou a grande mãe, a grande culpada de todos os sofrimentos dos seres viventes. Sou a origem de todas as culpas, pelo menos é assim que entendem alguns de vocês, que se intitulam psicanalistas freudianos. Isto porque sou a grande geradora da existência. Tudo surge a partir dos meus cuidados, na primeira infância dos seres viventes. Sou gloriosa e deslumbrante. Sou a origem e a possibilidade de toda a vida.
Desperto imediato prazer a meus filhos, reforçando seus sentimentos edípicos, sua sexualidade primordial. Essa parece ser a fonte do que se intitula, pulsão de vida, moldagem mais íntima da psique, a energia fundamental da ação de viver e procriar. De certa forma também sou responsável pelo sentimento de culpa dos meus filhos, ao desejarem me dominar, deixar-se sucumbir à transgressão do desejo. Ao menos, dessa dicotomia, impulso e desejo contrapostos à culpa e repressão, surge o equilíbrio da existência. Os psicanalistas explicam até melhor que eu:
“O sentimento de culpa é algo amplamente abordado pela religião, filosofia e jurisprudência. Para a Psicanálise, é a experiência edípica que inaugura as bases da moralidade; e o superego, sequela deixada pelo Édipo, a instância responsável pela veiculação da culpa. O sentimento de culpa é o pilar da civilização, pois através deste, as pulsões de destruição inerentes ao ser humano seriam redirecionadas para o bem-estar da humanidade (Wagner Mata Pereira citando obras sobre FREUD, publicadas em 1913 e 1974).”
Obviamente Freud é um humano. Restringe-se à observação da sua espécie. Mas eu produzo toda a vida. Desde o mais simples dos seres monocelulares à complexidade da vida inteligente, em todos os seus níveis e nuances.
Infelizmente, assim como cada vida, minha existência como Gaia também carece de eternidade. Sou finita. Nasci do próprio Caos e gerei Urano. Com ele, em seu édipo realizado, geramos todos os doze grandes titãs, inclusive meu protegido, Cronos. Na sua psicose, Urano foi um pai terrível. Mantinha seus filhos no tártaro, numa tentativa de preservar seu trono universal. Protegendo meu querido Cronos, armei-o com a foice retirada do meu próprio ventre. Com essa foice, Cronos materializa a parte odiosa do seu desejo edípico e castra o pai Urano, separando-me eternamente dele. Por esse motivo, Céu e Terra estão irremediavelmente separados. Gerei Cronos, dotado de uma pseudo-eternidade, antes mesmo do meu nascimento (um dos muitos mistérios das divindades). Em algum momento Cronos observará o fim de seu pai, Urano. Como são intimamente interligados, Cronos e Urano (espaço e tempo), nesse final o próprio Cronos encontrará o seu fim. A mim, resta esperar o meu fim precoce, abraçando e cuidando de todo ser vivente enquanto forças eu tiver. Muitas das minhas irmãs jazem estéreis espalhadas pelas galáxias. Passaram por tudo o que passei e passarei. Essa é a agonia de todas as grandes mães da nossa galáxia.
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